Gonçalo Pereira Rosa Texto
Luís Taklim Ilustração
Fotografias: Cortesia do Museu de Marinha
No centenário da grande viagem aérea de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, recordamos os dois repórteres que a documentaram. Se Sacadura fez de Álvares Cabral, Norberto Lopes e Tomás Colaço replicaram Pêro Vaz de Caminha.
A celebridade, no jornalismo, tem muitas roupas. Pode resultar da longevidade de uma carreira ou da versatilidade do profissional, capaz de abordar mais do que um género com a mesma centelha de génio. Às vezes, porém, provém somente da oportunidade proporcionada pelo acaso de estar no sítio certo no momento fatal. Já Napoleão dizia que a sorte ocorre quando a preparação conflui com a oportunidade.
Perdido numa ilha remota em forma de sapato (Fernando de Noronha), Norberto Lopes nem quer acreditar na sua sorte. Desesperado pela falta de notícias dos dois aviadores que se tinham tornado amigos, pega no auscultador telefónico do posto policial da Praia de Santo António e, antes de fazer a ligação, sente os sinais Morse da telegrafia sem fios. Por indução eléctrica, o telefone recolhia os sinais que se destinavam à antena da telegrafia sem fios e, portanto, ao oficial mais graduado daquele posto remoto.
Sem perder tempo, passa o auscultador a um mecânico, para que este registe a mensagem. De clique em clique, o mecânico aponta tudo. Lido o texto, instala-se o desânimo: a mensagem provém do cruzador República, informando que a busca nocturna fora infrutífera. Não se detectam quaisquer sinais dos aviadores náufragos. São 22 horas no Brasil do dia 18 de Maio de 1922, a noite mais longa da história da aviação portuguesa. A viagem aérea parece redundar num fracasso. E Norberto Lopes é o único jornalista que possui essa informação.
CAMPANHA IMPROVISADA
Do ponto de vista propagandístico, a viagem aérea de Sacadura Cabral e Gago Coutinho (que completa este ano o primeiro centenário) começou por ser um fiasco. Ideia germinada no cérebro de Sacadura em 1919, logo após o primeiro-tenente Read chegar à doca do Bom Sucesso, completando a primeira travessia do Atlântico, demorou três anos a sistematizar. Foi necessário persuadir ministros, comprar aeronaves, treinar tripulações, testar o método de orientação de Gago Coutinho. E resistir. Na Assembleia, em sessão de 29 de Março de 1922, o deputado Alberto Xavier questionara mesmo a oportunidade da aventura num momento de aperto orçamental. O arrojo era louvável – disse – mas o Governo perderia autoridade para exigir do país novos sacrifícios financeiros. Ripostou o deputado Joaquim Ribeiro: “Foi o que Dom Manuel disse a Vasco da Gama e ele foi à Índia”. E, em jeito teatral, o deputado Agatão Lança concluiu: “Por fatalidade e destino deste país, nas suas horas grandes, aparece sempre um velho do Restelo”. No momento da partida dos dois aviadores, no dia seguinte, “éramos poucos mais de cem a dizer-lhes adeus”, resumiu Norberto Lopes.
Não houvera visão para integrar jornalistas a bordo do República, o cruzador que repetia o trajecto por mar que os aviadores completavam pelo ar. O Governo destacara apenas um repórter – Paulo Freire – para acompanhar a tripulação da Marinha. Freire escrevia o resumo do dia, reproduzido por todos os jornais de Lisboa e do Porto. A situação não era claramente agradável para a competitiva imprensa portuguesa. Nas páginas do Diário de Lisboa, Norberto Araújo criticou a estratégia e acusou a cobertura do raid aéreo de ser feita a papel químico. Zangado, Freire respondeu de bordo, chamando-lhe vaidoso, miserável e “responsável pela quebra da linha fidalga do Diário de Lisboa”.
Entretanto, Sacadura e Coutinho completavam etapas, à medida que a meteorologia e a mecânica o permitiam. Ligaram Lisboa às Canárias, resolvendo ali um problema com um flutuador. Viajaram depois para Cabo Verde, onde descobriram com horror que a autonomia do hidroavião não correspondia ao réclame do fabricante. Passaram-se vários dias e o interesse pelo raid não esmorecia.
Por fim, Sacadura e Gago Coutinho iniciaram a etapa mais dura: a ligação entre Cabo Verde e os rochedos de São Pedro e Paulo. Era a máxima distância calculada para a autonomia do engenho. Completaram-na no limite, voando com vapores de combustível (“Lambidos, sem nada”, dirá Gago Coutinho aos jornalistas). À chegada aos penedos, já em território brasileiro, uma onda cortou o hidro-avião como uma lâmina de barbear. Os aviadores foram salvos, mas o engenho perdeu-se. E ainda faltava completar a ligação aérea ao continente sul-americano.
De Portugal e do Brasil, a proeza é saudada com fervor. O Atlântico Sul é vencido por dois aviadores latinos que provam, pela primeira vez, o acerto dos métodos de navegação e orientação aérea (os voos anteriores tinham usado navios no mar como bússolas de orientação). Com a pátria em êxtase e a Marinha aliviada por a “Noite Sangrenta” de Outubro de 1921 cair para um relativo esquecimento, criam-se condições para prosseguir viagem. O Lloyd brasileiro decide financiar uma segunda viagem, que transporte um novo Fairey 16 até aos Penedos. A Casa Pinto & Sotto Mayor, representante em Lisboa do Lloyd e proprietária do Diário de Lisboa, organiza a viagem. Desta vez, a propaganda não é descurada. A bordo do vapor Bagé, entram Tito Martins (de O Século), Edmundo de Oliveira (Diário de Notícias), Paulo Freire (A Imprensa da Manhã), Guedes de Amaral (Comércio do Porto), Norberto Lopes (Diário de Lisboa), Tomás Ribeiro Colaço (do jornal monárquico O Dia) e o fotógrafo Arnaldo Garcez.
O vapor vence as ondas e o entusiasmo a bordo reflecte a euforia da nação. O segundo hidro-avião, que parece “uma grande larva esfíngica”, na descrição de Colaço, aguarda a sua tarde de glória. No arquivo epistolar de Joaquim Manso, director e fundador do Diário de Lisboa, o autor deste artigo encontrou alguma correspondência remetida por Norberto Lopes para o jornal, começando por um curto postal enviado da Madeira no dia 28 de Abril: “Cá vamos periplando. Só hoje é que conseguimos cheirar terra. Isto promete”. Mais tarde, com as agruras da viagem, Norberto usará a mesma via para se queixar das parcas finanças e das exigências do serviço.
A comitiva chega por fim aos penedos. “Vistos assim, à distância, parecem dois dentes enormes de elefante, tendo ao centro uma elevação mais larga, semelhante ao dorso de um camelo”, regista Norberto, sempre teatral. “Dir-se-ia que a natureza se divertiu a erguer ali uma redução dos Pirenéus para as vagas do Atlântico poderem brincar às guerras com soldadinhos de espuma”, acrescenta Colaço. Os dois homens entendem-se a bordo. São bastante parecidos, apesar do feitio mais expansivo de Norberto, que o leva a apropriar-se da guitarra de bordo e a organizar serenatas nocturnas. Ambos trabalham para jornais de segunda linha, sem o fulgor e história de O Século ou do Diário de Notícias. Ambos fazem o tirocínio nos bancos da Faculdade de Direito, embora com sentidos inversos: depois desta aventura, Colaço dedicar-se-á à advocacia, ao passo que Norberto continuará a frequentar o curso até o terminar em 1927, mas mantendo sempre a chama jornalística. Mais importante: ambos têm uma ideia romântica da reportagem e do papel do jornalista.
EPIFANIA DE GAGO COUTINHO
Recomeçam os preparativos para prosseguir. Para não serem acusados de evitar qualquer segmento do trajecto, os aviadores decidem retomar a viagem no ponto exacto onde amararam. Gago Coutinho tem então a epifania que valerá a dois jornalistas o “furo” de uma vida: propõe que um repórter fique na ilha de Fernando de Noronha para assistir à partida do hidro-avião, recuperando mais tarde o seu lugar a bordo do Bagé. Dois braços levantam-se: Colaço e Norberto são voluntários, pois onde fica um, também ficam dois. São transportados para a ilha numa balsa que navega com o auxílio de um cabo amarrado ao navio.
Transmontano e homem do campo, Norberto parece mais preparado. Colaço, em contrapartida, admite o desconforto: “A minha figura, com anquinhas formidáveis, [tinha] um vago sabor de Maria Antonieta arrependida – arrependida… de ter umas calças brancas tão esquisitas e com joelheiras tão grandes”, escreve. Até os sapatos são desapropriados: “Os mesmos com que pisei, nessa remota Lisboa, alcatifas de salões acolhedores… Santo Deus! E era com eles que me preparava para trilhar as pedras rudes de Fernando de Noronha”. À distância, Norberto goza o prato: “O meu companheiro de naufrágio, louro como um jovem fidalgo escocês, dir-se-ia o príncipe encantado de Fernando de Noronha, o Robinson Crusoé desta ilha onde os dois naufragámos no ano da graça de 1922”. Acompanham-nos, para já, os dois aviadores, enquanto prosseguem os preparativos para a última etapa.
A ilha é também uma colónia penal sem grades. Basta o isolamento, o calor e a malária para conter os reclusos. Norberto regista que os presidiários se afeiçoam de imediato ao almirante. Acham-lhe graça: “Qui velhinho mais dánado”, diz um. O trabalho jornalístico, porém, sofre. Na ilha, há apenas um posto de TSF e o cabo submarino. São recursos lentos e caros. E o oficial guarda segredo das comunicações com o República. Mesmo assim, os dois jornalistas preenchem páginas notáveis de reportagem todos os dias, alheios ao que se passa no mundo.
No isolamento insular, desconhece-se certamente que o Diário de Lisboa atravessa a sua primeira grande crise precisamente entre Março e Abril de 1922. Uma polémica furiosa com Simão Laboreiro, director de O Tempo, jornalista republicano convertido à monarquia, atirara o nome do jornal, de Joaquim Manso e dos dois banqueiros Vieira Pinto para a lama. Laboreiro acusara o DL de fazer o jogo dos banqueiros que, por sua vez, deviam ao Governo a sua prosperidade. Não poupa ninguém. Consiglieri Sá Pereira, jovem jornalista e filho de um deputado, é tratado por “papo-seco que arranjou uma gabardine e fez-se jornalista. Pretende ser bolchevista científico [sic]. É bêbedo e sobretudo parvo”. Os irmãos Vieira Pinto constituem “a quadrilha”. Manso é mesmo acusado de ser “um padre renegado” – uma alusão à formação teológica do jornalista. A controvérsia demora um mês, com processos cruzados em tribunal e um pedido de duelo que Manso recusa, por ser avesso a “essa prática medieval”. O dinheiro dos banqueiros acaba por silenciar O Tempo, mas, ao mesmo tempo que os aviadores se consagram no Atlântico Sul, Manso é admitido numa casa de repouso com um princípio de esgotamento.
TRAGÉDIA ANUNCIADA
Alheios a tudo isso, os jornalistas preparam-se para o grande dia. Assistem, numa plateia improvisada, à partida dos dois aviadores. O avião falha uma primeira tentativa de descolagem, premonitória do que seguirá, mas depois ergue-se e desaparece no horizonte. Os jornalistas ficam na ilha, aguardando novidades.
Passadas algumas horas, não há comunicação com o hidro-avião. Aos poucos, todos os marinheiros e jornalistas envolvidos começam a sentir que algo terrivelmente errado está em curso. Ninguém avistou o engenho aéreo nos pontos previstos. O República e o destroyer Pará iniciam buscas pelas áreas onde o hidro-avião poderá ter amarado de emergência, mas o oceano é extenso e a impressão deixada pela primeira amaragem forçada foi traumática: o engenho aéreo não foi feito para flutuar.
Na ilha, Norberto e Colaço pedem pormenores, mas os oficiais de Marinha e da colónia penal não os dão. Ocorre então o episódio do telefone e Norberto, inadvertidamente, pensa que os aviadores estão perdidos. Remete um cabograma dramático para a redacção de Lisboa, que só chegará às 9 horas da manhã seguinte. É um caso clássico de um repórter com um exclusivo, mas impossibilitado de o transmitir a tempo. O cabograma chegará às mãos de Joaquim Manso já depois de este saber, pela central telegráfica, que um vapor inglês encontrou os náufragos sãos e salvos. O “exclusivo” tem afinal pouca importância, mas, à boa maneira teatral, Norberto transformá-lo-á numa grande proeza.
A saga dos aviadores perdidos por uma noite no mar transmite uma derradeira nota de heroísmo à proeza. Colaço e Norberto documentarão o resto da viagem e a recepção apoteótica dos aviadores nas várias cidades brasileiras visitadas. Coutinho e Sacadura concedem-lhes entrevistas exclusivas e emocionantes. Norberto dirá de Coutinho que é uma “figura pergaminhada, arrancada a um painel de Nuno Gonçalves, devoto fervoroso da religião do ar, da luz, do Sol”. Sacadura, por sua vez, é “o mais duro dos pilotos”.
Ambos recolhem notas exclusivas para os livros que escreverão em breve. Colaço, ainda em 1922, publica as crónicas da viagem em “Sobre o Atlântico”, com prefácio de Gago Coutinho. De Norberto Lopes, sai, no ano seguinte, “Cruzeiro do Sul” (sem prefácio). A máquina do Diário de Lisboa, porém, vai limpando Colaço do cenário: ainda durante a viagem, um editorial mencionara que o periódico era o único jornal representado na ilha – corrige o tiro no dia seguinte, embora lembrando que O Dia não era bem uma folha de massas. Nos anos seguintes, sempre que lembrarem a campanha, o jornal e o repórter referem-se-lhe como proezas solitárias.
CARTAS TROCADAS
Como o baú de Fernando Pessoa, guardado durante décadas em parte por prudência e em parte por desconhecimento da importância do espólio, há um conjunto alargado de documentos que lançam nova luz sobre esta epopeia e, em simultâneo, sobre os primeiros anos de vida do Diário de Lisboa. Em 1977, o filho sobrevivente de Joaquim Manso, Pedro Manso Lefrevre, ofereceu ao então Museu Municipal Dr. Joaquim Manso, na Nazaré, um conjunto alargado de documentos, bem como obras de arte e a biblioteca do pai. Durante quatro décadas, as 14 caixas com cartas recebidas por Joaquim Manso não foram inventariadas. Em 2020, por coincidência feliz, o autor iniciou esse trabalho de catalogação no museu, que funciona na antiga casa de veraneio do jornalista e está agora integrado na Direcção Regional de Cultura do Centro.
O epistolário de Joaquim Manso ali concentrado é fragmentado e não constitui a correspondência completa do jornalista. Arrumado à pressa, perdeu certamente a ordem que anteriormente teria. As cartas conservadas constituem também o resto de uma colecção certamente abundante, que terá ficado nos arquivos da Renascença Gráfica. Mesmo assim, contém documentos fascinantes e revela pormenores escondidos desta epopeia, que completam a narrativa e humanizam os protagonistas. As cartas de Norberto Lopes para Joaquim Manso apresentam um repórter aterrorizado com o preço da vida no Brasil e com a necessidade de “alimentar o fogo sagrado” do jornal todos os dias. Queixa-se do preço dos telegramas, da escassa verba disponível para despesas e do silêncio de Lisboa. “Estou admirado de não ter recebido até hoje, com excepção de um telegrama que já agradeci, uma indicação sobre o que devo fazer”, queixa-se a 23 de Julho. “Já cheguei a estar doente por não ter notícias daí”, acrescenta.
Apesar desse silêncio, Norberto é tratado com particular desvelo por Joaquim Manso. Ele é, em muitos aspectos, o prolongamento do director, mesmo antes de assumir a chefia da redacção que, nos primeiros nove anos da vida do jornal, é entregue ao polifacetado Álvaro de Andrade. Uma conjura mal-sucedida entre accionistas, em 1930, conduzirá a uma purga, que custará a demissão de Andrade e correspondente saída para a Emissora Nacional. Norberto, então já licenciado em Direito, assumirá a chefia da redacção, embora o seu nome só venha a figurar no cabeçalho do Diário de Lisboa a partir de 1952. Entre 1930 e 1952, só Manso se apresenta aos leitores.
Colaço também figura no arquivo epistolar do fundador do Diário de Lisboa – aliás, não se esquece de lembrar ao director que colaborou na primeira edição do jornal, em 7 de Abril de 1921. Um ano depois do episódio que aqui se narra, escreve uma longa carta a Joaquim Manso, a propósito de uma peça de teatro que se prepara para apresentar. Colaço largara já o Jornalismo, mas não esquecia que tinha naquele jornal alguns detractores. Artur Portela, o crítico teatral e literário, era o seu inimigo de estimação. Portela visara uma peça traduzida por Colaço, atacando a adaptação, o autor, os trocadilhos falhados e até as coristas, embora reconhecesse que não tinha visto o original. Colaço retorquira que Portela inaugurava a “crítica de espírito santo de orelha”. Em troca, o jornal ignorara olimpicamente o livro de crónicas do autor, noticiando-o com uma breve de cinco linhas.
A grande novidade, porém, emerge na correspondência de Gago Coutinho e de Augusto de Castro, então embaixador português na Santa Sé, para Joaquim Manso. Em Dezembro de 1922, Coutinho, de cabeça perdida, acusa o Diário de Lisboa e Norberto Lopes de fazerem chalaças gástricas às suas custas e de terem até roubado uma carta privada de casa do seu pai (provar-se-á que o furto fora promovido por O Século, sedento de novas informações biográficas sobre um dos heróis da nação e sem grandes pudores quanto à reserva de intimidade do novo herói nacional). A troca de cartas subsequentes revela que o almirante não guarda particular carinho pelo jornal que mais promoveu a sua viagem aérea. “Há uma manifesta má vontade, que eu vou cobrar, nunca mais o lendo. Assim é esta a última vez que lhe peço desmentidos”, vocifera o almirante em 10 de Dezembro.
Augusto de Castro, em contrapartida, acrescenta um pormenor à atribulada biografia de Gago Coutinho. Em Agosto de 1927, cinco anos depois da famosa viagem aérea, o diplomata pede a ajuda de Manso e do Diário de Lisboa para limar um incidente. Gago Coutinho queixara-se à imprensa de que fora mal recebido pelo Papa na sua visita a Roma, ao contrário do que sucedera com Umberto Nobile, o aviador que sobrevoara o Pólo Norte. O almirante sugere também que o embaixador português não lutara suficientemente pela sua causa – uma injustiça que esquecia o papel de Augusto de Castro, no Diário de Notícias, promovendo a viagem aérea de 1922 e lançando, em 1923, a ideia de celebração do feito em Paris, na Sorbonne.
Em carta de 28 de Novembro, Castro explica a Manso as causas do incidente: “O Gago Coutinho é uma excelente pessoa, mas fartou-se aqui de fazer gaffes. Esta é a verdade. Sem outros meios, essas coisas, quando se trata de homens como o Gago, perdoam-se. No Vaticano, não”. O almirante recusara o dia proposto pela Santa Sé para conhecer o Papa, porque tinha outra ideia em mente: queria conhecer o novo líder fascista italiano, o homem de que toda a Europa falava. Pretendia apertar a mão, se possível, a Benito Mussolini.
“O Vaticano bem percebeu que ele não podia ir porque assistia a uma cerimónia presidida pelo Mussolini”, confidencia Castro. “A Santa Sé não perdoa estas coisas, porque o Papa continua a considerar-se soberano de Roma e não aceita que o tratem em segundo lugar, como uma curiosidade ou uma figura suplementar. Mas o Gago teimou, declarando que não ia naquele dia ao Vaticano porque não faltava ao Capitólio (…)”. Nitidamente enfadado, o diplomata-jornalista rematava em privado o seu lamento para o amigo Joaquim Manso: “Vê-se que, para atravessar o Atlântico, são precisas outras e grandes qualidades, mas não é preciso bom senso”.