Fernando Correia (1942-2024)

O jornalista, professor e investigador Fernando Correia foi diretor editorial da revista "Jornalismo & Jornalistas", do Clube de Jornalistas, desde a primeira edição, durante mais de 20 anos. Fotografia: Inácio Ludgero

Fernando Correia, jornalista, professor e investigador na área dos media e jornalismo, morreu na sexta-feira, dia 1 de março, aos 81 anos. O velório realiza-se na segunda-feira, 4 de março, entre as 10h e 15h, na igreja de Santa Joana Princesa, em Lisboa. O funeral está marcado para as 15h30, no cemitério do Alto de São João.

Fernando António Pinheiro Correia nasceu em Coimbra, em Julho de 1942. Publicou os primeiros artigos no final da década de 1950, nos suplementos juvenis do Diário de Lisboa e do República e tornou-se jornalista profissional em 1965. Foi redactor do Diário Popular entre 1966 e 1973 e do Diário de Lisboa entre 1973 e 1974. Foi membro do secretariado de redação da revista Seara Nova entre 1969 e 1974 e integrou a equipa que lançou a edição (legal) do semanário Avante! como subchefe de redação, entre 1974 e 1986.

No dia 25 de Abril de 1974 estava preso no Forte de Caxias por oposição ao Estado Novo, tal como muitos outros intelectuais. Saiu da prisão diretamente para a redação do Diário de Lisboa, onde escreveu uma reportagem inesquecível sobre o último dia passado na prisão.

Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e concluiu o mestrado no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa em Comunicação, Cultura e Tecnologia. Foi docente universitário e investigador de História, Sociologia e Sócio-Economia dos media, do jornalismo e dos jornalistas, deixando vasta obra publicada.

Foi diretor editorial da revista Jornalismo & Jornalistas, do Clube de Jornalistas, desde o primeiro número, em 2000. Em simultâneo, dirigiu a licenciatura em Comunicação e Jornalismo da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, entre 2008 e 2012, leccionou em cursos de pós-graduação e mestrado, orientou teses e participou em júris. Formador no Cenjor, foi também membro fundador do Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ) e da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM).

Membro fundador do Clube de Jornalistas (1984), integrou durante várias décadas o júri dos Prémios Gazeta de Jornalismo. Colaborou ativamente com o Sindicato de Jornalistas, cujo Conselho Geral integrava. Foi igualmente membro do Conselho de Informação para a Imprensa, eleito pela Assembleia da República (1978-1983), e membro desde 2005 do Conselho de Opinião da RTP, eleito pela Assembleia da República.

O Clube de Jornalistas lamenta profundamente a morte de Fernando Correia e apresenta aos seus familiares e amigos as mais sentidas condolências.

Testemunhos

“Na Universidade Lusófona, tive a felicidade, durante muitos anos, de com ele partilhar disciplinas de licenciatura e de mestrado. Partilhar no pleno sentido da palavra, com trocas permanentes sobre os alunos, as matérias, a evolução do ano letivo, os balanços de desempenho. O Fernando foi um grande professor, muito acarinhado pelos colegas e alunos. Foi também um grande investigador e pensador, rigoroso e estruturado, deixando-nos uma obra muito importante e singular sobre os estudos dos media e do jornalismo. No contexto atual, parece-me, aliás, fundamental revisitar o seu legado de conhecimento. O Fernando foi um homem único. Como dizia com graça uma colega nossa da Lusófona, com muita pena, o Fernando não se pode clonar. Partiu um querido amigo, um verdadeiro amigo. Um homem de convicções e sábio. Um homem íntegro, generoso, paciente, encorajador, inspirador, luminoso. Um homem  disponível para os outros, para os escutar e compreender. Este é um dia triste.”
– Carla Martins, Vogal do Conselho Regulador / ERC

Foi o Fernando Correia que me incentivou a escrever sobre história do jornalismo português. Encorajou-me a escavar documentos e memórias para escrever a história de episódios sepultados por páginas e páginas de jornais bolorentos nas bibliotecas. «Siga os documentos, mas não ignore a memória», disse-me muitas vezes. «Muitas vezes há mais verdade numa recordação com 40 anos do que num documento emitido pela polícia.»
Combateu sempre a ideia, muito repetida após 1974, de que as redacções tinham acumulado resistentes. «Normalmente, a análise cai em dizer que havia uns tipos que eram da Situação e outros que eram do Reviralho», disse-me numa entrevista ainda inédita. «Esquece-se uma percentagem muito grande de jornalistas que não eram uma coisa nem outra. Eram burocratas. Tinham ido para o jornal como mangas d’alpaca do jornalismo. Estavam-se lixando para a política.» O Fernando não se estava lixando para a política. Ingressou no Partido Comunista Português por afinidade familiar e foi membro até ao fim com as convicções intactas. Chefiou a primeira redacção do Avante após a revolução (o Avante legal), com Ruben Carvalho, de quem gostava como irmão. Foi sempre um cavalheiro, de trato elegante, sem um insulto, mesmo para os canalhas. Nunca tentou converter ninguém e dividiu os profissionais de imprensa que conheceu, não entre homens de esquerda e de direita, mas entre «sacanas» e «gente proba».Vai fazer-me muita falta.”

– Gonçalo Pereira Rosa, diretor da National Geographic Portugal

“Guardo do Fernando a gratificante memória das inúmeras intervenções que fez nas reuniões do Conselho Geral e da Assembleia Geral [do Sindicato dos Jornalistas], pela serenidade e pelo acerto, pela sabedoria discreta, pela prudência avisada. Não me recordo de ouvir-lhe uma única palavra fora de tom, apesar da firmeza de convicções a toda a prova; muito menos testemunhei alguma tentativa de sobrepor-se aos outros. Era também assim nas muitas conferências e debates em que estivemos juntos. No relacionamento pessoal, era de uma afabilidade imensa. Como ser humano, foi um ser único. Deixas muitas saudades, Fernando!”
– Alfredo Maia, antigo presidente da direção do Sindicato dos Jornalistas

“O Fernando foi a primeira pessoa que verdadeiramente acreditou em mim (quando nem eu acreditava). Não me deixou desistir do curso de jornalismo, no último ano, e dele ouvi sempre palavras de conforto e incentivo. Foi professor, amigo, referência ética, exemplo de carácter, um homem de uma bondade rara. A memória do seu sorriso permanecerá sempre viva em mim.”
– Patrícia Fonseca, jornalista, vogal da direção do Clube de Jornalistas

“O Fernando Correia ensinou-me tanta coisa. Foi tão bonito escrever com ele o ‘Jornalistas do Ofício à Profissão’ (2007, Editorial Caminho). Ele conhecia toda a gente, tirava a pequena agenda do bolso, com centenas de nomes e telefones apontados em letra miúda, e combinava as muitas entrevistas que fizemos a jornalistas (mais de 30). Mais recentemente, estava a trabalhar na história do ‘Avante!’ Escreveu textos muito importantes na revista ‘O Militante’ (estão online, leiam-no). Partiu um homem, sim, mas também uma biblioteca.”
– Carla Baptista, professora de Jornalismo na Universidade Nova de Lisboa

“Não sei se do que aprendi com o Fernando o mais importante é do domínio do Jornalismo se da reflexão académica sobre Jornalismo – ele não se sentiria confortável, tenho a certeza, se alguém ousasse separar as duas dimensões. Porque só se tornou académico de excelência por ser jornalista de eleição. Cívica e politicamente ativo, como devem ser os jornalistas, em vez de proclamarem falsas independências, que mascaram conivências (essa hipocrisia é que o deixava indisposto). 
O Fernando, que há mais de 20 anos me desafiou a passar da conversa à escrita nas páginas da revista Jornalismo & Jornalistas, e que há sete me convidou para integrar a equipa que agora a dirige, era um amigo, sim. Mais do que um amigo, um conselheiro. Sempre tão sereno quanto firme na expressão dos seus ideais. Sempre disponível para debater as (velhas e novas) práticas jornalísticas, sem abdicar dos valores da profissão, que partilhávamos. Alertando para a floresta (mediática, mas não só) escondida atrás da árvore, gostava tanto de persuadir como de ouvir. De impor o seu ponto de vista é que não. Eis a atitude que faz a grandeza de um verdadeiro conselheiro. O que eu aprendi com o Fernando!”

– Paulo Martins, jornalista, professor universitário e editor da revista “Jornalismo & Jornalistas”