Eduardo Gageiro (1935-2025)

Aos 90 anos, Eduardo Gageiro ainda fotografou as celebrações do 25 de Abril deste ano. Foto: Lusa

“O que devemos coletivamente a Eduardo Gageiro não é contabilizável”, diz a jornalista Claúdia Lobo, que trabalhou de perto com o fotógrafo e o entrevistou longamente em outubro do ano passado, para um documentário sobre a resiliência à censura durante o Estado Novo.

O fotojornalista Eduardo Gageiro, autor de algumas das mais célebres fotografias do 25 de Abril de 1974, morreu na madrugada desta quarta-feira, 4 de junho, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, “em paz, rodeado pela família, com todo o carinho e conforto”, disse à Lusa o seu neto, Afonso Gageiro.

Tinha 90 anos e no passado dia 25 de Abril ainda desceu a Avenida da Liberdade com a sua câmara, apesar de ter de o fazer já em cadeira de rodas.

O velório de Eduardo Gageiro realiza-se na quinta-feira, 5 de junho, a partir das 18h00, na Academia Recreativa Musical de Sacavém. O funeral realiza-se na sexta-feira, às 11h00, no Cemitério de Sacavém.

© Eduardo Gageiro

Reconhecido como um dos mais talentosos fotojornalistas portugueses, Gageiro iniciou a carreira em 1957 no Diário Ilustrado, tendo depois trabalhado no Diário de Notícias, no Século Ilustrado e na Associated Press. Foi também fotógrafo da Companhia Nacional de Bailado, da Assembleia da República e da Presidência da República.

Da Revolução de 25 de Abril ficarão para sempre na nossa memória as fotografias do encontro dos militares no Terreiro do Paço, do assalto à sede da PIDE e de um emocionado Salgueiro Maia a morder o lábio, ao perceber que a missão dos capitães estava cumprida.

Mas também foi Gageiro que imortalizou as lágrimas de Eusébio, o mundo de Sophia enquanto escrevia os seus poemas, ou o icónico Raul Solnado na ponte Salazar.

Gageiro parecia intuir o lugar certo e o momento certo para fotografar, e não apenas em Portugal. Em 1972, por exemplo, conseguiu um “furo” mundial, sendo o primeiro a fotografar os terroristas que sequestraram atletas israelitas na aldeia olímpica, durante os Jogos Olímpicos de Munique.

Com seis grandes livros de fotografia publicados (estava ainda a terminar um último livro), recebeu mais de 300 prémios em todo o mundo, incluindo um 2.º lugar na categoria “Retratos” no World Press Photo de 1974, com a célebre fotografia de Spínola com o seu monóculo.

Em 2007 recebeu o Prémio Gazeta de Mérito, atribuído pelo Clube de Jornalistas (de que era sócio, com o número 608), e em 2004 foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique.

© Eduardo Gageiro

O que devemos coletivamente a Eduardo Gageiro não é contabilizável
– Testemunho de Cláudia Lobo

“Eduardo Gageiro é muito mais do que o fotógrafo do 25 de Abril: é o homem de um país inteiro, que viu, sentiu e mostrou como mais ninguém.
Se não fosse ele, a escuridão sobre o que foi Portugal durante mais de 30 anos seria ainda mais negra.
Fotografou sempre, sempre, mesmo quando não o deixavam. Nas situações em que sabia que ia ser interceptado pela polícia por estar a fotografar, disparava na mesma. Tirava logo o rolo da máquina e punha um virgem, para quando a polícia o obrigasse a abrir a máquina e tirar o rolo as imagens estarem a salvo, no seu bolso. É graças a isso que hoje temos as pouquíssimas fotografias de confrontos com a polícia nos anos 60, ou da agitação estudantil na Cidade Universitária no final dessa década.
Dizer «obrigada, Gageiro» – e como ele se emocionava quando pessoas que não conhecia lhe diziam isso na rua! – nunca será suficiente.
Na última entrevista que lhe fiz, em outubro do ano passado, para um documentário sobre os jornalistas e a resiliência à censura durante o Estado Novo, Gageiro descobriu na Torre do Tombo muitas fotografias cortadas pela censura. Queria incluí-las no livro em que estava a trabalhar, e que dizia que ia ser o seu último.
Esse livro ia fechar com uma fotografia do 25 de Abril de 2025. Apesar de já estar debilitado, Gageiro desceu a Avenida no dia 25 de abril deste ano, numa cadeira de rodas empurrada pelo seu neto Afonso. E, claro, com a máquina fotográfica na mão.
Com a sua tenacidade, a sua teimosia. a sua energia, a sua inesgotável força, ele não desistiu um segundo da vida. Nunca.”