Paulo Martins Texto
Não fosse a dedicação de Wilton Fonseca e seus parceiros à “descoberta” da história dos jornalistas de agências noticiosas em Portugal (“heróis anónimos” lhes chamaram) e pouco saberíamos acerca desse universo de profissionais a quem a intermediação dos órgãos de comunicação que chegam ao público rouba visibilidade. De Luís Lupi, então, ainda menos saberíamos – exceto através do autorretrato plasmado nas suas memórias, o filme que naturalmente quis registar, porque a investigação sobre história do Jornalismo português o ignora. É essa lacuna que este livro preenche.
Não se trata, em boa verdade, apenas de um jornalista. Se o título da obra lança pistas para classificar o personagem, não deixa o percurso biográfico oferecido de empurrar o leitor para outras cores em que pode ser pintada a dita “vida aventurosa”. Seria o fundador da Lusitânia, primeira agência noticiosa portuguesa, um homem com mundo – empreendedor, como hoje se diria – ou simplesmente um chico-esperto de ego dilatado, atento a oportunidades de negócio, hábil a circular entre as intrigas do regime, para delas tirar partido, e com uma certa mania da perseguição? Admitamos que estes traços não são mutuamente exclusivos…
A minúcia e rigor na investigação, já os autores nos habituaram. Por isso o livro memorialístico de Lupi é contrastado com outras fontes, cautela que se prende com o facto de a realidade “ser bastante mais enfadonha do que a imaginação” do biografado, como escrevem. Assim confirmam que sendo salazarista dos quatro costados nunca mereceu a confiança do ditador. Que esteve sempre sob vigilância, chegando mesmo a ser detido pela PIDE. Que, mesmo oscilando nas alianças, nada disso abalou a sua fidelidade sem mácula ao Estado Novo, cuja fileira da informação – de facto, da propaganda – ambicionou liderar.
Luís Lupi não viu os préstimos reconhecidos pelo regime, apesar de cedo ter intuído que a sua ligação a agências internacionais, como a Reuters e a Associated Press, valia ouro nesse plano. E raramente soube escolher as guerras. Com António Ferro, perderia antes de desembainhar a espada. Do confronto com a ANI, criada pelos seus antigos colaboradores Dutra Faria e Barradas de Oliveira, jamais poderia sair vencedor, porque o seu patrono, Marcello Caetano, mudou de “brinquedo”.
Pese embora uma ou outra incursão lateral que pouco contribui para a narrativa, como a descrição das supostas conspirações alojadas na cabeça do informador da PIDE “Portela”, esta obra apresenta um retrato muito completo do megalómano que sonhou com os “Estados Unidos da Lusitânia” (a mítica, extraída da história; não a sua empresa). “Ter dinheiro, ser socialmente aceite, ter poder ou estar próximo dele. Toda a vida de Luís Lupi foi marcada por esses três elementos, que explicam as suas múltiplas atividades, as suas constantes manobras políticas, intrigas e alguns negócios menos claros”, sintetizam Wilton Fonseca e Gonçalo Pereira Rosa.
No que à atividade como jornalista concerne, fica uma breve pincelada sobre o funcionamento do aparelho de Censura nas agências. Ficam as permanentes guerras com a concorrência. E fica a elaboração de um Livro de Estilo pioneiro em Portugal, de que evidentemente faria gato-sapato, por ser incompatível com a missão, nunca efetivamente concretizada, de usar a Lusitânia como instrumento de promoção de uma imagem positiva da ditadura no estrangeiro. Pudera! Se até o nome de Caetano, então ministro das Colónias, constava do documento!