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Eduardo Gageiro (1935-2025)

Aos 90 anos, Eduardo Gageiro ainda fotografou as celebrações do 25 de Abril deste ano. Foto: Lusa

“O que devemos coletivamente a Eduardo Gageiro não é contabilizável”, diz a jornalista Claúdia Lobo, que trabalhou de perto com o fotógrafo e o entrevistou longamente em outubro do ano passado, para um documentário sobre a resiliência à censura durante o Estado Novo.

O fotojornalista Eduardo Gageiro, autor de algumas das mais célebres fotografias do 25 de Abril de 1974, morreu na madrugada desta quarta-feira, 4 de junho, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, “em paz, rodeado pela família, com todo o carinho e conforto”, disse à Lusa o seu neto, Afonso Gageiro.

Tinha 90 anos e no passado dia 25 de Abril ainda desceu a Avenida da Liberdade com a sua câmara, apesar de ter de o fazer já em cadeira de rodas.

O velório de Eduardo Gageiro realiza-se na quinta-feira, 5 de junho, a partir das 18h00, na Academia Recreativa Musical de Sacavém. O funeral realiza-se na sexta-feira, às 11h00, no Cemitério de Sacavém.

© Eduardo Gageiro

Reconhecido como um dos mais talentosos fotojornalistas portugueses, Gageiro iniciou a carreira em 1957 no Diário Ilustrado, tendo depois trabalhado no Diário de Notícias, no Século Ilustrado e na Associated Press. Foi também fotógrafo da Companhia Nacional de Bailado, da Assembleia da República e da Presidência da República.

Da Revolução de 25 de Abril ficarão para sempre na nossa memória as fotografias do encontro dos militares no Terreiro do Paço, do assalto à sede da PIDE e de um emocionado Salgueiro Maia a morder o lábio, ao perceber que a missão dos capitães estava cumprida.

Mas também foi Gageiro que imortalizou as lágrimas de Eusébio, o mundo de Sophia enquanto escrevia os seus poemas, ou o icónico Raul Solnado na ponte Salazar.

Gageiro parecia intuir o lugar certo e o momento certo para fotografar, e não apenas em Portugal. Em 1972, por exemplo, conseguiu um “furo” mundial, sendo o primeiro a fotografar os terroristas que sequestraram atletas israelitas na aldeia olímpica, durante os Jogos Olímpicos de Munique.

Com seis grandes livros de fotografia publicados (estava ainda a terminar um último livro), recebeu mais de 300 prémios em todo o mundo, incluindo um 2.º lugar na categoria “Retratos” no World Press Photo de 1974, com a célebre fotografia de Spínola com o seu monóculo.

Em 2007 recebeu o Prémio Gazeta de Mérito, atribuído pelo Clube de Jornalistas (de que era sócio, com o número 608), e em 2004 foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique.

© Eduardo Gageiro

O que devemos coletivamente a Eduardo Gageiro não é contabilizável
– Testemunho de Cláudia Lobo

“Eduardo Gageiro é muito mais do que o fotógrafo do 25 de Abril: é o homem de um país inteiro, que viu, sentiu e mostrou como mais ninguém.
Se não fosse ele, a escuridão sobre o que foi Portugal durante mais de 30 anos seria ainda mais negra.
Fotografou sempre, sempre, mesmo quando não o deixavam. Nas situações em que sabia que ia ser interceptado pela polícia por estar a fotografar, disparava na mesma. Tirava logo o rolo da máquina e punha um virgem, para quando a polícia o obrigasse a abrir a máquina e tirar o rolo as imagens estarem a salvo, no seu bolso. É graças a isso que hoje temos as pouquíssimas fotografias de confrontos com a polícia nos anos 60, ou da agitação estudantil na Cidade Universitária no final dessa década.
Dizer «obrigada, Gageiro» – e como ele se emocionava quando pessoas que não conhecia lhe diziam isso na rua! – nunca será suficiente.
Na última entrevista que lhe fiz, em outubro do ano passado, para um documentário sobre os jornalistas e a resiliência à censura durante o Estado Novo, Gageiro descobriu na Torre do Tombo muitas fotografias cortadas pela censura. Queria incluí-las no livro em que estava a trabalhar, e que dizia que ia ser o seu último.
Esse livro ia fechar com uma fotografia do 25 de Abril de 2025. Apesar de já estar debilitado, Gageiro desceu a Avenida no dia 25 de abril deste ano, numa cadeira de rodas empurrada pelo seu neto Afonso. E, claro, com a máquina fotográfica na mão.
Com a sua tenacidade, a sua teimosia. a sua energia, a sua inesgotável força, ele não desistiu um segundo da vida. Nunca.”

Os “corajosos” vencedores do European Press Prize

Os vencedores do European Press Prize deste ano são extraordinários exemplos do melhor jornalismo que se faz Europa, apesar de todas as crises que afetam o setor. Alan Rusbridger, presidente do júri, ex-diretor do The Guardian, destacou isso mesmo na cerimónia, em Bari, Itália:

“Que coragem, que imaginação, que talento, que integridade! Aqui estão escritores e fotógrafos; editores e jornalistas de dados; programadores e cinegrafistas abordando as questões mais importantes do dia a dia, de maneira convincente e vital. O European Press Prize é o melhor antídoto para o desânimo. Há – compreensivelmente – tanta ansiedade em relação à situação atual do setor jornalístico que é fácil esquecer que um trabalho extraordinário ainda está a ser feito todos os dias por jornalistas comprometidos, em toda a Europa.”

Prémios

The Investigative Reporting Award
Vencedor: “Did Something Happen to Mom When She Was Young?”, by Jessica Bateman.
Menção Honrosa: “René Damgaard Is Saying a Final Goodbye to Life and to His Niece” by Line Vaaben.

The Innovation Award
Vencedor: “Under Surveillance. How Location Data Jeopardizes German Security”, Katharina Brunner, Rebecca Ciesielski, Ingo Dachwitz, Sebastian Meineck, Maximilian Zierer.
Menção Honrosa: “Road to Redemption: How Israel’s War Against Hamas Turned Into a Springboard for Jewish Settlement in Gaza”, Yarden Michaeli, Avi Scharf, Idit Frenkel, Asi Oren, Uri Talshir.

The Investigative Reporting Award
Vencedor: “Serving Moscow”, Măriuța Nistor e Natalia Zaharescu.
Menção Honrosa: Bismarck’s Hut in the Forest”, Aiko Kempen, Laurenz Schreiner, Finn Starken.

The Public Discourse Award
Vencedor: “Mothers at the End of the World”, Katarzyna Boni.
Menção Honrosa: “Memory Machines”, Jessica Traynor.

The Migration Journalism Award
Vencedor: “Growing Up ‘Non-Western’ in Denmark’s Nanny State”, Gabriela Galvin.
Menção Honrosa: “The Brutal Truth Behind Italy’s Migrant Reduction: Beatings and Rape by EU-Funded Forces in Tunisia”, Mark Townsend.

The Special Award
Vencedor: Abzas Media and Forbidden Stories for “The Baku Connection Project”, 15 equipas coordenadas por Forbidden Stories.

O português António Buscardini é o novo presidente do Clube de Jornalistas de Bruxelas

O jornalista e realizador de televisão português António Buscardini é o novo presidente do Press Club Brussels Europe – Clube de Jornalistas de Bruxelas. Ex-assessor de imprensa da Assembleia das Regiões da Europa, fundou o título “Travel Tomorrow” e a agência de relações públicas Buscardini Communications, e sucede agora à grega Alia Papageorgiou na presidência do clube belga, num mandato de dois anos.

“O Press Club Brussels Europe deve ser mais do que um ponto de encontro. Deve tornar-se um verdadeiro centro para comunicadores. Neste novo mandato, quero reunir jornalistas, assessores de imprensa e influenciadores sob o mesmo teto. Teremos uma direção dedicada, eclética e dinâmica, que reflete a diversidade de funções dos profissionais da comunicação”, explicou António Buscardini, em comunicado de imprensa.

O lançamento de um ciclo de encontros para debater os desafios da comunicação é a sua primeira medida. O desenvolvimento de iniciativas que reforcem a integridade jornalística e promovam a colaboração internacional é outra das ambições de Buscardini.

Plano de insolvência da Trust in News foi aprovado

A revista Visão, fundada em 1993, é uma das publicações afetadas pela insolvência do grupo de Luís Delgado.

O plano de insolvência da Trust in News (TiN), proprietária das revistas Visão, Exame e Caras entre outras publicações, foi ontem aprovado por 77% dos credores, prevendo a injeção de até 1,5 milhões de euros pelo acionista único, Luís Delgado.

O plano mantém a intenção de suspender, licenciar ou vender publicações deficitárias como TV Mais, Telenovelas, Caras Decoração, Prima, Visão Saúde, Visão Surf e This is Portugal, sendo que, com exceção da Telenovelas, todas as outras publicações já estão suspensas.

Segundo a Lusa, o plano prevê ainda um ajuste na periodicidade, se necessário, de algumas revistas, mantendo apenas as mais rentáveis, além da redução de 70% do espaço físico (50% já foi reduzido) e o encerramento da delegação no Porto. Será ainda reduzido “o quadro de funcionários, proporcional à suspensão de publicações, com reestruturação interna”.

Quanto ao pagamento das dívidas proposto, será faseado, no caso da AT e ISS em 150 prestações, além de um “plano de pagamento de 12 a 15 anos para credores comuns e garantidos” e da “possibilidade de permuta de publicidade para pagamento de parte das dívidas”.

Para aumentar receitas, o plano prevê o “aumento de assinaturas digitais e a melhoria da plataforma de ‘e-commerce’, parcerias estratégicas com outros grupos editoriais”, assim como a “exploração de novos formatos de conteúdo, como podcasts e vídeos” e o “licenciamento de marcas para gerar receita adicional”.

Quanto ao impacto desta reestruturação, a empresa aponta uma “melhoria gradual da rentabilidade, com um retorno a resultados positivos esperado a médio prazo”, evitando a liquidação da empresa e “preservando postos de trabalho e ativos”.

Subscrição gratuita de jornais para jovens arranca com boa adesão

Programa destina-se a jovens entre 15 e 18 anos e está em vigor desde 9 de maio, tendo registado na primeira semana cerca de 1300 pedidos.

O Programa de Oferta de Assinaturas Digitais para jovens recebeu 1 363 pedidos de acesso entre 9 e 16 de maio, segundo os ministérios dos Assuntos Parlamentares e da Juventude e Modernização.

Este programa, que se destina a jovens entre 15 e 18 anos e está inserido no Plano de Ação para a Comunicação Social, arrancou em 9 de maio e prolonga-se até 31 de dezembro, para todas as publicações periódicas que integram o programa: Correio da Manhã, Diário de Notícias, ECO, Expresso, Jornal de Notícias, Jornal Económico, Observador, Público, Sábado, Vida Económica e Visão.

A adesão pode ser feita através do Portal Gov.pt, mediante autenticação com Cartão de Cidadão ou Chave Móvel Digital, que pode ser ativada na aplicação gov.pt ou num Espaço Cidadão.

Parlamento Europeu lança candidaturas para a 5.ª edição do Prémio Daphne Caruana Galizia

O Clube de Jornalistas integra o júri deste prémio desde a primeira edição, contribuindo para a valorização do jornalismo de investigação e honrando a memória de Daphne, jornalista maltesa assassinada em 2017.

Prémio Daphne Caruana Galizia para o Jornalismo distingue o jornalismo de investigação de excelência e que defenda os princípios fundamentais da União Europeia, como a dignidade humana, a liberdade e a democracia.

O Prémio está aberto a jornalistas profissionais e a equipas de jornalistas profissionais de qualquer nacionalidade, que podem apresentar artigos de fundo que tenham sido publicados ou difundidos em meios de comunicação social sediados num dos 27 Estados-Membros.

A candidatura vencedora é selecionada por um júri independente composto por representantes da imprensa e da sociedade civil dos 27 Estados-Membros, bem como das principais associações europeias de jornalismo. O Clube de Jornalistas integra este júri internacional, representado desde a primeira edição pela jornalista Patrícia Fonseca.

O Prémio de Jornalismo Daphne Caruana Galizia, criado em 2020 pelo Parlamento Europeu, é atribuído anualmente em memória da jornalista de investigação maltesa, que revelou casos de corrupção governamental, lavagem de dinheiro e crime organizado, e foi assassinada num atentado com um carro armadilhado em 2017.

Os vencedores têm sido sempre consórcios de jornalistas, envolvidos em investigações de grande fôlego. Em 2021, “The Pegasus Project”, pelo grupo Forbidden Stories; em 2022, o documentário “The Central African Republic under Russian Influence” (ARTE/France24/Le Monde); em 2023, a tragédia do naufrágio de migrantes a bordo do navio Pylos (Solomon com ForensisStrgF/ARD e Guardian); e em 2024, Lost in Europe, uma investigação conjunta de jornalistas da Alemanha, Itália, Grécia, Países Baixos, Bélgica, Irlanda e Reino Unido, sobre o desaparecimento de mais de 50 mil crianças migrantes na Europa nos últimos três anos.

O Prémio, no valor de 20 mil euros, é todos os anos entregue pela presidente do Parlamento Europeu a 16 de outubro, data em que Daphne Caruana Galizia foi assassinada.

Candidaturas aqui, até 31 de julho.

Abertas as candidaturas aos Prémios Gazeta

Está lançada a 40ª. edição dos Prémios Gazeta, com a recepção de candidaturas a partir de hoje e até ao dia 20 de junho. Os trabalhos a concurso têm, obrigatoriamente, de ter sido publicados durante o ano de 2024 e assinados por jornalistas com carteira profissional válida.

Os Prémios Gazeta, os mais prestigiados do jornalismo português, são uma iniciativa do Clube de Jornalistas, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa.

Os Gazeta são atribuídos em oito categorias: Prémio Gazeta de Mérito; Prémio Gazeta de Imprensa; Prémio Gazeta de Televisão; Prémio Gazeta de Rádio; Prémio Gazeta de Fotografia; Prémio Gazeta Multimédia; Prémio Gazeta Revelação e Prémio Gazeta de Imprensa Regional.

Os candidatos devem preencher a Ficha de Inscrição, de acordo com o Regulamento.

Medialivre comunica despedimento coletivo de fotojornalistas na véspera do Dia do Trabalhador

O grupo que detém títulos como o “Correio da Manhã”, o “Record” e a revista “Sábado” comunicou um despedimento com efeitos imediatos – apanhando alguns fotógrafos em serviço e outros de folga ou de férias.

O Sindicato dos Jornalistas diz ter tomado conhecimento “com surpresa e choque”, da intenção da Medialivre “proceder a um despedimento coletivo, focado nos fotojornalistas, que vai reduzir o número de trabalhadores” em órgãos como o “Correio da Manhã”, o “Record”, “Jornal de Negócios” e a revista “Sábado”.

“Anunciar um despedimento coletivo na véspera do Dia do Trabalhador, que assinala mundialmente as conquistas laborais do passado, cada vez mais deterioradas, é inqualificável”, refere o sindicato em comunicado, frisando que, “ainda por cima, sucede num grupo que diz dar lucro” e que tem Cristiano Ronaldo como acionista

O SJ considera chocante a forma como este despedimento coletivo foi comunicado aos trabalhadores: “um facto consumado, sem qualquer hipótese de diálogo, e com pressa em dispensar estes colegas”.

Com o concluir de “um dito processo de modernização e adaptação da estrutura produtiva (Projeto Alfa), que supostamente implicaria uma tranquila evolução, contando com todos os trabalhadores para o caminho de sucesso ambicionado, agora, sem aviso prévio, já há necessidade de reduzir os quadros”, acrescenta a direção do SJ.

A Medialivre diz que este despedimento se enquadra num ato de “boa gestão”, lembrando que “a empresa recrutou mais de 100 novos colaboradores para diversas áreas de desenvolvimento” nos últimos meses e que irá “reduzir até 10 postos de trabalho numa área específica onde a empresa tem recursos em excesso para a sua atividade”.

O sindicato promete “contestar por todas as vias” este despedimento coletivo, que diz configurar “mais uma estocada profunda na fotografia, uma linguagem jornalística que está a ser levada à morte por administradores e diretores de empresas de comunicação social em Portugal”, recordando que “muitas publicações conformam-se a usar fotos de propaganda das assessorias de imprensa de câmaras municipais, clubes de futebol e agências de comunicação, numa perfeitamente clara incompatibilidade entre publicidade, assessoria e o exercício do jornalismo”, e outras “exigem fotos de telemóvel a redatores ou imagens amadoras do público”.

Histórico produtor do “60 minutes” demitiu-se “por ter perdido independência”

Bill Owens trabalhava na CBS há 37 anos

Demissão surge na sequência da emissão de uma reportagem sobre a guerra em Gaza que não agradou a Donald Trump

Depois de 37 anos como produtor do “60 Minutes”, da CBS, Bill Owens demitiu-se na passada quarta-feira, 23 de abril, anunciando à sua equipa que o fazia por “ter pedido a independência jornalística” que sempre pautou o alinhamento editorial de um dos programas de informação mais credíveis nos EUA, emitido todos os domingos há mais de 50 anos.

“Ao longo dos últimos meses, ficou claro que eu não teria autorização para liderar o programa como sempre fiz, para tomar decisões independentes com base no que era certo para o ’60 Minutes’, certo para o público”, lamentou, numa nota interna enviada aos seus funcionários a que o New York Times teve acesso.

“Estou a afastar-me para que o programa possa seguir em frente”, afirmou. “O programa é demasiado importante para o país. Tem de continuar, só que agora não comigo como produtor executivo.”

Esta demissão surge poucos dias depois de Donald Trump ter ameaçado retirar a licença de emissão televisiva à CBS por não ter gostado de uma reportagem sobre a guerra em Gaza. A “guerra” com o ’60 minutes’ vem de longe, e no ano passado, durante a campanha eleitoral, colocou mesmo a Paramount em tribunal, alegando que a entrevista que lhe fizeram tinha sido “editada de forma enganadora”, e pede 10 mil milhões de dólares por danos causados.

A demissão de Bill Owens foi anunciada ao público no final do ’60 minutes’ desta semana pelo jornalista Scott Pelley. “Ele era o nosso ‘chefe’, e se já trabalharam para alguém porque o admiravam muito, poderão compreender como esta equipa se sente agora”, disse, emocionado.

A inclusão dessa nota no programa terá sido decidida pela equipa de jornalistas do programa, sem dar conhecimento a outros superiores hierárquicos – um protesto simbólico, homenageando Bill Owens e transmitindo também à administração que não será fácil vergá-los a decisões que sejam contrárias à ética jornalística ou que ponham em causa a independência editorial da redação.


Prémio Mário Mesquita atribuído a José Pedro Castanheira

O presidente da SPA, José Jorge Letria, entregou o Prémio Mário Mesquita 2025 ao jornalista José Pedro Castanheira. Créditos: SPA

O jornalista José Pedro Castanheira recebeu o Prémio Mário Mesquita 2025 no passado dia 22 de Abril, no auditório da Sociedade Portuguesa de Autores.

Nascido em 1952 e jornalista profissional desde 1974, trabalhou no diário “A Luta” e no semanário “O Jornal”, onde coordenou um gabinete de grande reportagem e investigação entre 1979 e 1989, ano em que passa para a redação do Expresso, onde trabalhou até 2017 como repórter principal. Distinguido ao longo da sua carreira com os mais prestigiados galardões de jornalismo atribuídos em Portugal – incluindo o Prémio Gazeta, em 1983 – vê o seu percurso agora distinguido na 4ª edição deste prémio criado pela SPA para homenagear Mário Mesquita, que foi director do “Diário de Notícias” e do “Diário de Lisboa” e um muito prestigiado professor de várias gerações de jornalistas.

O Prémio Mário Mesquita é atribuído anualmente a um jornalista que, segundo a SPA, tenha “trabalho já reconhecido” e as “qualidades que a distinção consagra”. Na 1ª edição foi premiada Cândida Pinto; na 2ª edição, Pedro Coelho; e na 3ª, Sérgio Furtado.

Discurso de José Pedro Castanheira

Permitam-me que comece por falar do Mário Mesquita, patrono do prémio. Conheci-o há mais de 50 anos, provavelmente em 1972. Tínhamos quase a mesma idade – ele com mais dois anos que eu, o que, quando se tem 19 ou 20, até faz alguma diferença. Éramos ambos estudantes universitários, ele em Direito, eu em Economia, cursos a que muito ficámos a dever, mas que nenhum de nós concluiu. Conhecemo-nos na JUC, a Juventude Universitária Católica, de que eu era militante, enquanto ele era um simples visitante. Mas enquanto o Mário já era jornalista, no “República”, eu nem sequer tinha pensado na hipótese de o vir a ser. Leitor assíduo do “República”, que era o principal jornal da oposição, lia habitualmente as crónicas, as notas e as entrevistas do Mário. Sujeitas, como é bom de ver, à Censura do lápis azul, eram textos sempre inteligentes, cultos, hábeis, finos, com uma dose de humor q.b., bem escritos, corajosos, acutilantes, audazes, independentes, de quem pensava pela própria cabeça e assumia as correspondentes consequências e responsabilidades. Ele foi assim toda a vida, no jornalismo, na academia, na intervenção cívica e política, nunca escondendo as suas opções.

LEITOR, CAMARADA, AMIGO, ADMIRADOR E ALUNO

Nunca trabalhámos juntos, mas cruzámo-nos frequentemente. Propôs-me colaboração por duas vezes – e por duas vezes tive de recusar. A primeira, em finais de 1989, foi para integrar a redação do vespertino “Diário de Lisboa” que ele iria dirigir – mas eu tinha acabado de trocar “O Jornal” pelo “Expresso” e já era, decididamente, um jornalista com uma cultura de semanário, muito mais do que de um diário.

A segunda foi muito mais tarde, estava ele na FLAD, e, sabedor da minha paixão pelas suas ilhas dos Açores, propôs-me que pegasse nos volumosos Anais da Família Dabney no Faial e os transformasse num livro capaz de cativar o público português. Inteiramente monopolizado, à época, pela biografia do Presidente Jorge Sampaio, fui obrigado a recusar, e com pena o fiz.

Do Mário Mesquita fui, pois, leitor, camarada de profissão, amigo e sincero admirador. Ah!: também fui seu aluno, num curso de pós-graduação em jornalismo promovido em 2000-2001 pelo ISCTE e pela Escola Superior de Comunicação Social. Ao preparar estas linhas, senti uma necessidade física de compulsar alguns dos seus livros. Encontrei nas minhas desarrumadas estantes nove livros seus – o Mário foi realmente o autor que mais e melhor escreveu sobre os media em Portugal.

Pessoalmente, devo-lhe a honra de ter sido por ele identificado, num longo ensaio de 1987, como um dos pioneiros em Portugal no que ele designava de jornalismo investigativo. Essa foi uma primeira medalha com que o Mário me brindou. Uma outra, por interpostas pessoas ou instituições, é este prémio. Muito diferente de anteriores distinções que me foram conferidas, posto que é um prémio de carreira – e já lá vão 51 anos.

DO DIÁRIO “A LUTA” AO SEMANÁRIO “O JORNAL”

Voltando agora ao princípio, se antes do 25 de Abril eu jamais sonhara em ser jornalista, a revolução dos cravos deu cabo de todos os meus planos (e ainda bem!) e abriu-me horizontes jamais fantasiados. De tal sorte que, em agosto, quatro meses depois, eu já era jornalista num mensário, “Povo Rural” de seu nome, guiado por um grande jornalista, o João Gomes, que fazia parte da chefia de redação do “República” e que fora o primeiro português a licenciar-se em Jornalismo, não em Portugal (visto que o Estado Novo impedia o ensino superior de jornalismo), mas em Lille. Se sou jornalista, devo-o inteiramente ao já falecido João Gomes. Foi ele quem me desafiou e encorajou, a ponto de, no ano seguinte, 1975, o do PREC, me levar para a redação do vespertino “A Luta”, onde fiz a minha verdadeira aprendizagem deste ofício apaixonante.

Seguiu-se, em 1979, “O Jornal”, uma espécie de sociedade de redatores inspirada no modelo do francês “Le Monde”. Dirigido pelo José Carlos Vasconcelos, tinha uma plêiade de excelentes repórteres, e cotava-se, a meu ver, como o melhor jornal português daquela época. Foi nele que me iniciei na suprema disciplina do jornalismo, que é a reportagem, e no jornalismo de investigação, ao tempo praticamente inexistente. Como muitos se lembrarão, “O Jornal” era um semanário independente de esquerda. E continuo a não entender, como já o disse em 2017, no 4º Congresso dos Jornalistas, por que raio é que não há no mercado nacional um órgão de informação assumidamente de esquerda.

QUASE TRINTA ANOS NO “EXPRESSO”

Em 1989 mudei-me para o “Expresso” e por lá fiquei quase 30 anos, até à reforma. Foram os meus anos de ouro em termos profissionais. Foram também os anos de ouro do grupo liderado por Francisco Pinto Balsemão, o melhor “patrão” de imprensa que tive e que conheci, e que só aqui não está, como me disse por SMS, por “não estar ainda em forma”. E se o menciono e cito é porque, através dele, quero agradecer a todos quantos me permitiram e ajudaram a exercer a mais bela profissão do mundo. Desde as telefonistas e secretárias de redação, capazes de me desencantar um precioso número de telefone nos confins de África, aos administradores que não hesitaram em investir, e forte, em reportagens dispendiosas, mas de resultados inevitavelmente incertos. Passando pelos vários diretores e editores, alguns deles aqui presentes (como o Henrique Monteiro, o João Garcia e o Miguel Cadete, mas também a Cândida Pinto e o Nicolau Santos, que não puderam marcar o ponto), com quem tratei de programar, planear, organizar, discutir, corrigir, numa perspetiva de aperfeiçoar o produto final e melhor servir os leitores.

A REPORTAGEM TAMBÉM É UM TRABALHO DE EQUIPA

Os melhores trabalhos que assinei foram quase sempre o resultado de um trabalho, de um esforço, de uma iniciativa ou de um exercício de imaginação não direi coletiva, mas conjunta, de equipa. Com outros camaradas da redação ou com correspondentes no estrangeiro; com os fotojornalistas; com os arquivistas e documentalistas; com os paginadores, infográficos, revisores e copydesks. Mesmo alguns dos meus livros, provavelmente dos melhores, foram o resultado de um trabalho conjunto. Alguns, escritos a quatro mãos – com o Adelino Gomes um deles, outro com o Valdemar Cruz. Houve mesmo um que foi escrito a seis mãos, com a Natal Vaz e o António Caeiro.

Pois é, o produto final da melhor informação passa normalmente por muita gente e de várias profissões. É certo que o leitor depara quase sempre com uma só assinatura, mas por detrás dela há muito trabalho e muitos trabalhadores (e não apenas colaboradores, como agora se diz…) – escondidos, esquecidos, tantas vezes ignorados. Neste sentido, gostaria que este prémio fosse, também, um prémio para todos, e foram muitos, os que me ajudaram nesta profissão. Uma profissão que amei perdidamente e continuo a amar – e a Lúcia, e os nossos dois filhos, Pedro e Afonso, bem o sabem, e bem o sentiram na pele.

É realmente uma profissão apaixonante. Não me canso de o dizer e gritar aos quatro ventos. Sobretudo aos estudantes de comunicação social, quando sou convidado a ir dar uma ou outra aula, em que, no essencial, lhes conto as minhas aventuras de jornalista, que tem tido imensa sorte. Porque a estrelinha da sorte também é indispensável, e ela tem-me bafejado constantemente. Fui, ou sou, um jornalista feliz. Com muita sorte.

QUE FALTA NOS FAZ A BONDADE!

Falemos agora de coisas menos felizes. Não é novidade nenhuma: os tempos não estão nada fáceis para o mundo em que vivemos – e também para o jornalismo.

Os ventos que sopram do outro lado do Atlântico são simplesmente alarmantes e podem infetar-nos a todos, como aconteceu com o Covid. A banalidade do mal voltou a estar na ordem do dia. O futuro do mundo está sombrio – e mais sombrio ficou com a morte do Papa Francisco, em que todos (ou quase todos), crentes e não crentes, víamos um farol de esperança, de coragem, de crença em valores essenciais como o despojamento, a conversão, o diálogo, a tolerância, a inclusão, a paz, a bondade. E que falta nos faz a bondade! E de quem não tenha medo!

No plano que mais nos interessa, o da informação e do jornalismo, por incrível que seja, por inacreditável que pareça, nos Estados Unidos é a censura que está na ordem do dia. E sabe-se como as modas made in USA tendem a alastrar por quase toda a parte, aplicadas acriticamente e sempre diligentemente por todos os aprendizes de feiticeiro na velha Europa e em muitos outros países.

OS MEDIA DOS EUA SABERÃO DEFENDER A LIBERDADE

À censura imposta gradualmente por proprietários, tanto dos media tradicionais como das modernas redes sociais, acresce, desde o início do ano, uma censura do próprio Estado, decretada arbitrariamente, de forma discricionária, pelo próprio Presidente Trump, que tem todas as características com que se molda um ditador. Estou a pesar a palavra. Fosse ele o Presidente de uma outra nação que não os EUA e já ninguém hesitaria – nas chancelarias, nos media, nas universidades, nas esferas da política – em classificá-lo de ditador.

Mas como sempre acontece em todas as sociedades marcadas pelo autoritarismo, mesmo pelo totalitarismo mais cego e feroz como o de Hitler ou de Estaline, haverá sempre alguém que resiste. E os primeiros sinais de resistência estão aí: na rua, claro, mas também nas universidades, nos sindicatos, no empresariado mais esclarecido, nos tribunais, nas igrejas, nos grandes partidos, mesmo no Partido Republicano. Também nos media, pelo menos em alguns. Estou certo que os media norte-americanos, que tantas lições nos deram outrora, que tanto admirámos e com quem tanto aprendemos, saberão estar mais uma vez à altura dos seus créditos. Confio em que saberão ser os guardiões desse último bastião da democracia que é a liberdade de informação.

A NECESSIDADE DA REGULAÇÃO DOS MEDIA

Os ventos que correm chegam a ser arrepiantes. Vivemos tempos em que campeia a desinformação, a instrumentalização, a difamação, as campanhas, a mentira, com a violação das regras mais básicas do jornalismo.

Quando há vozes insistentes, e com cada vez mais influência e poder, a vociferar contra a regulação do que quer que seja, não tenho dúvidas que, pelo contrário, a regulação da comunicação social é cada vez mais necessária. Começando pela autorregulação.

Uma autorregulação que passa por normas e instrumentos como o código deontológico, os livros de estilo ou códigos de conduta ao nível empresarial, os conselhos de redação, os provedores (dos leitores, dos ouvintes ou dos espetadores) e pelas organizações profissionais dos jornalistas. Uma autorregulação levada a sério, atenta, vigilante, competente, criteriosa, exigente, com uma autoridade suficiente nos planos ético e profissional que a capacite, se necessário for, para aplicar sanções.

Mas num universo em que a informação, com aspas ou sem elas, é cada vez mais produzida num plano global, à margem dos tradicionais órgãos de comunicação social e ultrapassa a profissão, a autorregulação é largamente insuficiente. O que coloca a questão crucial da regulação dos media: imprensa, rádio, televisão e especialmente das redes sociais. Uma regulação que, para ser eficaz, terá de ser feita a uma escala transnacional. Que obrigue à transparência em matéria da propriedade dos media, que introduza limites na sua concentração, que promova valores essenciais como a independência, a diversidade e o pluralismo.

Serei porventura irrealista, talvez ingénuo, mas continuo a acreditar firmemente no futuro do jornalismo – da sua qualidade, da sua independência, da sua necessidade enquanto serviço permanente e indispensável à opinião pública, da sua sobrevivência enquanto profissão. A mensagem nunca dispensará um mensageiro qualificado, independente, reconhecido e respeitado.

A VERDADE NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO…

A minha última palavra é, evidentemente, para a Sociedade Portuguesa da Autores. E de agradecimento, na pessoa do seu presidente. Na carta com a qual me comunicou a decisão da SPA de me atribuir o Prémio Mário Mesquita de Jornalismo, o José Jorge Letria justificou a atribuição deste prémio pelo trabalho desenvolvido “sempre ao serviço da divulgação da verdade e dos factos mais marcantes da nossa vida coletiva”.

Não sei se existe essa verdade. E se ela deve ser escrita com caixa alta, ou se nos devemos contentar com a verdade mais comezinha, com letra pequena ou em caixa baixa. Não vou entrar, porém, nessa discussão, que é mais de carater filosófico, ontológico e até teológico e metafísico. Como sabem, não é esse o meu estilo.

Há muitos anos, quando o Sindicato dos Jornalistas promoveu mais uma indispensável atualização e adaptação do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, levantei uma dúvida, qual era a de saber se a tal verdade deveria, ou não, ser um valor a contemplar no código. Era mais uma interrogação que eu colocava, uma preocupação, uma inquietação. A questão deu brado. No bom sentido, entendamo-nos, porque a discussão que se seguiu foi séria e profunda. Mas inconclusiva, como era inevitável. Eu próprio, percebendo que a discussão corria o risco de ser interminável, e de poder ser um fator de alguma perturbação, deixei cair a sugestão. E o código deontológico, mesmo na versão atual, de 2017, ao lado de valores como o rigor, a honestidade, a seriedade, a independência ou a liberdade, não acolhe o vocábulo verdade, nem como substantivo, nem como adjetivo. Não se veja nisto uma censura ao código, que ajudei a elaborar, que votei no referendo e que trago todos os dias comigo na carteira.

… E O CÓDIGO PESSOAL DE CONDUTA

Mas para além do código deontológico, cada um de nós tem o seu código pessoal de conduta. E nesse pequenino código, que foi nascendo na família, na escola, no estudo, no associativismo, na militância cívica e política, no dia-a-dia da profissão, que se foi construindo, consolidando, fundamentando, aperfeiçoando, esse meu código, que não está impresso, contempla o valor da verdade.

Uma verdade factual a que, no plano profissional, sei que tenho o dever de respeitar e procurar em cada notícia que escreva, em cada reportagem, pequena ou grande, que faça, em cada história que investigue, em cada comentário que ensaie. Com insistência, com paciência, também com método, sem transigências nem preconceitos. Uma verdade porventura inalcançável, ou se calhar até inexistente em termos absolutos, mas que, paradoxalmente, sinto que deve nortear o meu esforço e trabalho, a minha procura e investigação.

Mas deixemo-nos de filosofias e divagações. Muito obrigado, meu caro José Jorge Letria. Muito obrigado, minha querida Ana Mesquita e meu querido João Garcia, pelas palavras muito simpáticas e elogiosas que antes me dirigiram. E muito obrigado a todos os presentes, em particular aos meus familiares. Acreditem: se alguma vez eu escrever um livro de memórias, provavelmente começará ou terminará com o dia de hoje e com este prémio.

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