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Nova direção do Diário de Notícias chumbada pelo Conselho de Redação

Os nomes propostos pela administração da Global Media para assumirem a direção do Diário de Notícias foram recusados pelo Conselho de Redação, tal como já tinha sucedido no mês passado na TSF (que tem agora como diretora Rosália Amorim, que deixou o cargo de direção no DN).

O Conselho de Redação do DN entendeu, “por maioria, não dar aval” a José Júdice para diretor e, “por unanimidade”, dar “um parecer negativo” a Ana Cáceres Monteiro para subdiretora. Contudo, o parecer não é vinculativo, e a administração decidiu manter a sua escolha.

“Cumpridos todos os procedimentos legais, o conselho de administração do Global Media Group, informa que, no próximo dia 13 de Novembro, iniciará as suas funções a nova equipa de direção do Diário de Notícias, e que será composta pelos jornalistas José Júdice, Leonídio Ferreira e Ana Cáceres Monteiro, que ocuparão, respetivamente, as funções de diretor, diretor-adjunto e subdiretora“, afirmou a empresa em comunicado.

“É propósito deste conselho de administração que a entrada em funções da nova direção marque o início de uma nova fase na vida do Diário de Notícias, e que passará necessariamente pelo reforço de investimento em recursos humanos, infraestruturas e inovação, fatores essenciais para o necessário crescimento e reafirmação de um jornal que é uma referência ímpar no panorama dos ‘media’ em Portugal – e cujo papel na sociedade portuguesa urge redignificar.”

A administração frisou ainda que esta será a “última e decisiva tentativa de salvar um projeto que se encontra insustentável devido ao rumo seguido na última década e em especial nos últimos anos”. Este ano a Global Media prevê acumular 2 milhões de euros de prejuízo.

A última vítima do Vale dos Caídos

Gonçalo Pereira Rosa Texto

Como um tropeção linguístico e cultural quase estragou a carreira de José Valente.

As luzes dos holofotes do Estádio da Luz começam a apagar-se depois de uma noite memorável. Os últimos redactores dos jornais acotovelam-se para saírem do curto espaço dedicado à imprensa. Alguns estão visivelmente tranquilos – as edições dos seus jornais só verão a luz do dia na tarde de quinta-feira, 25 de Fevereiro de 1965, pelo que a marcha do relógio ainda não se tornou opressiva. Em contrapartida, os representantes dos jornais matutinos e do trissemanário A Bola correm desenfreados para os telefones ou para os táxis que os conduzirão aos jornais. Para eles, cada segundo conta na dolorosa fornalha requerida por um jornal à beira do fecho.

Uma das regras tácitas do Jornalismo desportivo exige que, à ocorrência de um acontecimento retumbante, correspondam crónicas igualmente enérgicas e laudatórias. Hoje, foi um desses dias. Na primeira mão dos quartos-de-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, o Benfica esmagou o Real Madrid por 5-1.

Na tribuna de imprensa. Fernando Soromenho, redactor desportivo do Diário de Lisboa, magica já o título que dará à crónica do seu jornal: “Eusébio? Só fuzilado!”. Por A Bola, assiste ao jogo a fina-flor do jornal: Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Aurélio Márcio e Mário Zambujal espremem o sumo do encontro e Alfredo Farinha anuncia: “Esmagado o ‘monstro sagrado’ do futebol europeu”. No Diário de Notícias (DN), Alberto Freitas, Zinck Negrão e Fernando Pires registam: “A realidade impôs-se ao Real”. O Século, seco e anónimo, marca o episódio com palavras áridas, sempre cioso do velho lema da casa de que os acontecimentos não se embelezam – registam-se como um estenógrafo.

O Mundo Desportivo (MD) tem uma desvantagem: a próxima edição só será publicada na sexta-feira, 24 horas depois da concorrência. Resta pouco para dizer. Como sempre, o jornal aposta num “documentário gráfico”, explorando a melhor impressão que as artes tipográficas da Empresa Nacional de Publicidade permitem. Mas é pouco.

José Valente, o chefe da redacção, matuta numa alegoria que possa reflectir a grandiosidade da vitória do clube de Lisboa sobre o rival madrileno. No dia do jogo, dir-se-ia que ninguém no jornal acreditara na possibilidade de goleada. O título de primeira página fora cauteloso em excesso: “Vencer ou cair dignamente: as únicas soluções compatíveis com o prestígio do Benfica”. Agora, terá de se redimir.

Na redacção, no edifício do DN no Marquês de Pombal, José Valente troca impressões com outros redactores. Enquanto Couto e Santos, talvez o jornalista português com melhores contactos na Europa do futebol, escreve uma crónica sobre as pretensões do Benfica na competição, outros camaradas conversam com Valente.

Eduardo Guita Júnior, especializado em ciclismo, torce o nariz à ideia que o chefe da redacção burila para assinalar a efeméride. “Sempre achei má ideia misturar desporto com política. Este episódio resume-se a uma escolha infeliz de palavras”, conta. Luís Alberto Ferreira, que durante quatro anos fora correspondente do jornal em Espanha, é consultado. “O Zé Valente quis saber se o título que ele escolhera seria melindroso”, lembra o redactor. “Disse-lhe que achava a escolha perigosa e, ainda por cima, factualmente errada. Os Caídos tinham sido muito mais os republicanos”.

José Valente, porém, não quer abdicar da ideia que lhe parece genial. Impõe a sua decisão. Para a posteridade, na edição do dia 26, o jornal titula: “O Vale dos Caídos mudou-se para Lisboa”. Mais à frente, tenta desenvolver a ideia com alguma precipitação: “Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão pouco a de Valverde, ou qualquer outra em que os espanhóis e os portugueses tivessem escrito páginas gloriosas da sua história. Mas foi bonito assistir-se à vitória do Benfica…”

Está prestes a desabar sobre o jornalista e o jornal um terramoto ibérico.

O Vale dos Caídos é um monumento incómodo na história espanhola. Pouco depois da conclusão da Guerra Civil, Franco decidiu criar um memorial aos soldados falangistas tombados durante o conflito. Entre 1940 e 1959, cerca de 30 mil combatentes foram ali sepultados, na serra de Guadarrama, com honras militares. O monumento foi erguido por trabalhadores contratados, mas também por prisioneiros republicanos forçados a erigir a obra como parte da penitência por combaterem as tropas falangistas. Dedicado à memória de Primo de Rivera, fundador da Falange Espanhola, e considerado a maior vala comum de Espanha, é uma edificação de significado incómodo para os espanhóis.

Em 1957, Franco emendou a orientação original, considerando que o Vale dos Caídos era um monumento à unificação do povo espanhol, mas, para a oposição à ditadura, foi sempre entendido como um marco de triunfalismo dos falangistas. A mera circunstância de Franco ali ter sido sepultado, nas imediações de muitas das suas vítimas, é suficiente para despertar discussões intermináveis sobre ideologia e monumentalidade.

Em 1965, data do incidente, o Vale dos Caídos não se discute em Espanha. Aceita-se com uma reverência às vítimas e uma certa prosápia dos vencedores… até um jornalista português o colocar em causa, despreocupadamente, numa crónica sobre futebol.

A PIDE ENTRA EM ACÇÃO

É difícil avaliar de onde parte a primeira contestação à estranha primeira página que oMD distribui pelas bancas. Nas zonas de fronteira terrestre ou aérea, o jornal capta a atenção dos leitores espanhóis. Mal se apercebe do problema diplomático que tem em mãos, a direcção da PIDE emite a ordem de serviço n.º 108/65, requerendo a apreensão imediata do jornal. Quanto menos exemplares circularem, menores serão as repercussões, mas, na psicologia de uma nação sob ditadura, um jornal interdito é como um fruto proibido.

Em poucas horas, os vários postos de fronteira comunicam com a direcção, dando conta do sucesso relativo das apreensões. Do Funchal, ao meio-dia do dia 27, informa-se: “PSP local ajuda apreensão último número jornal MD. Esta delegação está procedendo harmonia”. Em Faro, António Gonçalves Dias, chefe da subdelegação, dá conta do burburinho causado pelo jornal em Vila Real de Santo António “em face de título inserto na primeira página, alusiva ao monumento a Los Caídos”. O ruído não se limita ao lado português da fronteira: “Nesse mesmo dia, esteve naquela vila o comissário provincial da polícia espanhola de Huelva, que pretendia ler um desses jornais. Foi informado, pelo chefe daquele posto, que os mesmos haviam sido todos apreendidos pela PSP, fazendo-lhe ver que não havia qualquer carácter político no assunto”.

De Elvas, o chefe de brigada Luís Martins Ferreira faz saber que a secção local da PSP foi mobilizada para essa acção, mas, “nesta cidade, causou forte repulsa a epígrafe daquele jornal, na medida em que o responsável misturou a política com o desporto. O acontecimento tem sido bastante verberado, dadas as amistosas relações existentes e que um indivíduo sem escrúpulos tentou menosprezar”. Como um formigueiro, as secções da PIDE reportam para Lisboa, testemunhando a expansão nacional do MD. Parece evidente que não bastará recolher jornais. No documento de Elvas, um inspector com assinatura irreconhecível rabisca: “Visto. Convoque-se o autor do artigo para ser ouvido em declarações”.

A Censura não revê provas doMDe percebe-se o desprendimento dos censores: o cadastro do Secretariado Nacional de Informação sobre as infracções cometidas pelo jornal até esta data é curto – duas ocorrências, uma das quais arquivada sem multa. Do ponto de vista do controlo da informação, A Bola, alvo de suspensão de publicação durante um mês em 1946 por sátira a um pseudo-jogo internacional, e o Record, autor de algumas infracções administrativas, são mais problemáticos.

Consciência do regime, o Diário da Manhã do dia 27 procura amenizar o incidente diplomático, fazendo ver aos parceiros ibéricos que o episódio resultara da irresponsabilidade de um jornalista e não de uma campanha de fundo do governo. Em nota editorial sob o título “Não está certo”, o jornal de Barradas de Oliveira refere a “lamentável falta de respeito à expressão Vale dos Caídos”. Prossegue depois: “Acreditamos que não houve má intenção no facto, mas apenas um excesso de entusiasmo que levou a não se considerar devidamente a veneração religiosa que deve ter-se pelo santuário cristão e patriótico da grande nação irmã. Quando se fala em Vale dos Caídos, há um conjunto de coisas sérias que não podem deixar de impressionar, desde o sangue de um milhão de mortos sacrificados ao delírio de doutrinas malsãs que subvertiam a Espanha até à ideia de paz e de unidade que se firmou sobre o martírio e, por fim, a consagração num dos mais grandiosos monumentos do mundo inteiro”. O diário oficioso conclui: “Nós também rejubilámos com a vitória do Benfica. Mas, além de não ser de boas maneiras e espírito desportivo fazer graça com a derrota do adversário, é repugnante a falta de respeito pelas coisas sérias e sagradas”.

No Arquivo Histórico e Diplomático, não se encontraram até à data documentos que certifiquem a existência de um protesto formal da embaixada de Espanha ao Governo português, mas a irreverência de José Valente chega certamente ao público espanhol graças aos “esforços” de um jornalista de A Bola, correspondente do jornal espanhol Marca em Portugal. A quente, no dia 26, o correspondente Henrique Monteiro remete a notícia do dia por telefone para Madrid: “O jornal matutino Mundo Desportivo apareceu esta manhã com um título a toda a largura de página relativo ao encontro de futebol Benfica-Real Madrid, no qual se lia: ‘O Vale dos Caídos Mudou-se para Lisboa’”. O relato prossegue: “Este título foi qualificado como irreverente pela embaixada de Espanha na capital portuguesa, motivando uma resposta enérgica ao periódico”. Sem vontade de respigar a humilhação desportiva do clube espanhol, a Marca vê no incidente a oportunidade de canalizar a fúria dos leitores nacionalistas, puxando a nota do correspondente português para a primeira página.

Henrique Monteiro fornece mais informações aos leitores espanhóis. A Censura já ordenara a remoção dos exemplares dos pontos de venda e “o provável, neste momento, é que, além da sanção correspondente, sejam tomadas medidas para evitar semelhantes exageros, sem que se possa descartar outra sanção de maior gravidade”.

“Henrique Monteiro era um jornalista da velha guarda, juntamente com Ernesto Silva, Mário Macedo e outros”, conta Jorge Schnitzer que ainda conviveu com o veterano na apertada redacção de A Bola na Travessa da Queimada. “Com a entrada dos redactores mais jovens (como eu e Santos Neves), [o chefe da redacção] Vítor Santos negociou com eles a sua passagem à reforma. Era um senhor calvo, já de muita idade. Tinha um escarrador junto à sua secretária. Um nojo. No dia em que se reformou, fez-se uma festa na redacção para se deitar o escarrador para o lixo”.

EM APUROS

O episódio do Vale dos Caídos representa para Raul de Oliveira, o director do MD, o último combate de uma vida ao serviço do Jornalismo. Como uma sequência de dominós, cada peça derrubada implica a queda da seguinte até a avalancha de repercussões chegar a José Valente. No próprio dia 27, a Direcção dos Serviços de Censura comunica a Raul de Oliveira a decisão de suspensão do jornal. Com a indicação “urgentíssimo” no despacho, António Neves Martinha comunica que, “por determinação superior, foi ao jornal MD, da direcção de V.Ex.ª, aplicada a suspensão por um número, pelo que não poderá esse jornal publicar-se no seu próximo dia de saída, ou seja, na segunda-feira, dia 1 de Março próximo”. A interdição “fundamenta-se no facto de se ter inserido na primeira página deste último número expressões ofensivas para um país amigo”.

Neves Martinha assumira a direcção dos Serviços de Censura em Junho de 1961, depois de um longo tirocínio como subdirector. Como comenta o historiador Joaquim Cardoso Gomes, “Martinha, licenciado em Direito, monárquico na juventude, iniciou a carreira política como presidente da Câmara Municipal de Mafra entre 1936 e 1939, pertencendo activamente à União Nacional e à Legião Portuguesa. No pós-guerra, entrou para os quadros da Direcção-Geral da Administração Política e Civil, do Ministério do Interior, percorrendo entre 1941 e 1948 as secretarias dos governos civis de Vila Real, Setúbal e Santarém”. Nomeado para a Censura, “nunca pertenceu ao círculo político próximo de Caetano, o grupo da Choupana, pejorativamente designado na Legião como marcelinos, mas manteve uma relação de segunda linha desde os tempos de estudante em Lisboa que proporcionou um reencontro político que iria perdurar além da chamada de Caetano a Presidente do Conselho”.

Desconhece-se o teor das discussões na administração do jornal e o esforço que Raul de Oliveira terá feito para segurar o seu chefe da redacção, mas a empresa é categórica: um incidente desta magnitude, que coloca em causa a sobrevivência do jornal, tem de ser resolvido exemplarmente: José Valente será despedido e o desfecho noticiado em curta nota editorial no jornal seguinte, o do dia 5. Em 48 anos de ditadura, é o único caso de um chefe de redacção demitido por crime de imprensa.

A diplomacia, porém, exige respostas mais céleres. E o governo português sente necessidade de esclarecer o seu congénere espanhol do carácter extraordinário do incidente. Por isso, na edição de 28 de Fevereiro, a Marca publica uma carta de Luís Filipe de Oliveira e Castro, conselheiro de imprensa da embaixada portuguesa em Madrid. Nela, o diplomata regista: “A imprensa desportiva de Portugal não está sujeita a censura prévia, pelo que o MD publicou o título sem conhecimento de qualquer autoridade portuguesa”. Mais: “As autoridades portuguesas, mal tiveram conhecimento das infelizes expressões usadas por aquele periódico, ordenaram POR SUA LIVRE E ESPONTÂNEA INICIATIVA, apreender todos os exemplares ainda em venda, instruindo um processo contra o próprio jornal”.

Oliveira e Castro informa ainda os leitores da Marca de que a resposta portuguesa fora tão célere que o Governo espanhol não tomara sequer conhecimento oficial do problema, pelo que, ao contrário do que Henrique Monteiro se apressara a comunicar, “não houve qualquer protesto da embaixada de Espanha em Lisboa, pois a espontânea iniciativa das autoridades portuguesas antecipou-se e, na medida do possível, reparou o mal causado e ofereceu as desculpas devidas aos representantes de um país amigo”.

Está reparado o potencial incidente diplomático. Na cópia deste recorte no processo que a PIDE abrira para este caso, a anotação de um inspector clarifica que a polícia se desinteressa a partir do dia 10 de Março da abertura de um processo-crime contra o jornalista: “Por determinação do Exmº Sr. Director, que conhece pessoas que afiançam politicamente o José Valente, deixou de ser necessário tomar-lhe declaração”. O que se terá passado entretanto?

ESCRUTINADO DESDE JOVEM

José Agostinho dos Santos Valente foi, como muitas personalidades relevantes do desporto português, um casapiano. Ali molda o carácter e descobre a vocação para o futebol. Pratica a modalidade com alguma notoriedade, jogando a defesa-direito. Alentejano de Moura, regressa ao clube da terra e tenta a sorte durante cinco anos. Não se profissionaliza, pelo que volta à capital no início dos anos 1940. É jovem, precisa de se empregar. Candidata-se à função pública e cumpre o serviço militar, atingindo o posto de furriel. A partir de 1949, com 27 anos, “exerce funções no Grémio dos Armazenistas Exportadores de Retalhistas do Azeite, onde foi colega do grande jogador do Benfica, Guilherme Espírito Santo”, lembra Luís Alberto Ferreira. Para essa admissão, é fundamental a recomendação do seu cunhado, Gonçalo de Mesquitela, então presidente do Grémio e amigo de infância de Marcello Caetano.

Nas viagens de comboio entre a sede do Grémio e Paço de Arcos, onde reside até 1956, trava amizade com Carlos Pinhão, então ainda na redacção do MD. Será Pinhão a apresentá-lo a Raul de Oliveira, recomendando-o para o jornal. Ao longo da carreira, como outros camaradas, Valente concilia o trabalho com a carreira jornalística.

No MD, ascende velozmente. Escreve bem e com fluidez. Não tem o talento para a reportagem de Carlos Pinhão e Alfredo Farinha, os seus antecessores no jornal, mas é persistente e cria uma boa rede de contactos. Na edição de 13 de Fevereiro de 1957, o jornal classifica-o mesmo como “um dos críticos de futebol mais sabedores da nova geração”. O que o jornal não diz, mas até a PIDE sabe, é que José Valente é “um ferrenho simpatizante do S. L. Benfica”.

No MD, Valente forma com Couto e Santos, José Sampaio, Guita Júnior, Luís Alberto Ferreira, Adriano Peixoto, Vasco Santos, Frederico Cunha e José Ilharco uma equipa competente. Dá também oportunidades aos jovens que lhe batem à porta: Alexandre Pais, futuro director do Record e do 24 Horas, é um desses jovens a quem Valente permite colaborar no Jornalismo desportivo: na ocasião, como atleta-jornalista em 1964 nos Jogos da FISEC, em Espanha. O jornal, porém, parece estar no início de uma curva económica descendente, talvez em virtude do estranho processo que o leva a nomear Trabucho Alexandre em Dezembro de 1954 para a direcção (em co-direcção com Raul de Oliveira), revertendo depois a situação em Março de 1956. Nunca se esclarece totalmente a decisão, mas tudo indica que a convulsão custa ao jornal a saída de Carlos Pinhão e Alfredo Farinha, que marcarão indelevelmente as páginas do jornal rival.

A história da imprensa desportiva tem exacerbado o papel de A Bola, menosprezando os contributos dos concorrentes – na história como na vida, os sobreviventes ficam de pé para contar a história mais conveniente. Luís Alberto Ferreira, que colaborou com A Bola e o MD, tem opiniões firmes sobre o tema: “Os nossos enviados-especiais eram, por vezes, compelidos a ‘abastecer’, também, a secção desportiva do DN. O curioso é que nos jogos das quartas-feiras europeias, nós, em termos de reportagem, batíamos A Bola”, conta. “Após o jogo, no hotel, o enviado de A Bola transmitia umas notas sobre o jogo e a crónica era trabalhada por um numeroso piquete que procurava escrever ao estilo do enviado: crónica, cabinas, tudo. Nós, sim, trabalhávamos toda a madrugada, à máquina, no hotel, enquanto o colega de A Bola jantava – luxo a que não nos dávamos. Tragávamos umas sanduíches e a maratona findava ao amanhecer. Logo a seguir, íamos com a equipa para o aeroporto. E as nossas reportagens saíam na sexta-feira, devidamente arquitectadas e… escritas pelo próprio”.

Como nos velhos combates de pugilismo, os sobreviventes do MD gostam de contar as entrevistas exclusivas com Kopa e Di Stefano, com o presidente da FIFA ou com Eddy Merckx. Luís Alberto Ferreira vai até mais longe: “A maior, mais visceral, mais completa entrevista com Eusébio, fê-la o MD. Mas quem viveu do Eusébio foi A Bola. Até certo ponto, à custa do Eusébio”. São os pequenos troféus de uma guerra perdida com a extinção do jornal na década de 1980.


EPÍLOGO

A imprensa portuguesa não é autorizada a noticiar o caso para não lhe dar maior amplificação, mas ele é interiorizado em todas as redacções como aviso à navegação. A Bola, já escaldada pelo incidente de 1946, usa o episódio como lembrete dos riscos que um acto irreflectido pode causar a todos: “Lembro-me de o Vítor Santos dizer: ‘Isto não pode acontecer aqui. O jornal é o nosso ganha-pão. Num desportivo, não há lugar para política’”, conta Jorge Schnitzer. “Aliás, no meu início no jornal, explicaram-me as regras. Os árbitros são como juízes, são a autoridade. Não se questionam e são tratados por senhor. Até na ficha técnica.  Num acto de rebeldia, lembro-me que não respeitava essa regra. Esquecia-me de pôr o senhor. No princípio, o chefe emendava, mas não dizia nada… Depois, começou a sair sem isso. Américo Tomás também era sempre ‘o venerando chefe de Estado’ nas legendas de A Bola.

Na primeira edição após a suspensão, o MD introduz uma nota de 14 linhas sob o título Esclarecimento: “A Empresa Nacional de Publicidade e o director do MD lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e que feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida crónica, chefe da redacção do MD, único e total responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o caso requeria”.

Em Espanha, curiosamente, a notícia já fora transmitida: o ABC do dia anterior noticiara: “Chefe da redacção do MDlisboeta destituído”. Há uma explicação lógica: a ANI, agência noticiosa, já transmitira para o mundo a notícia da destituição e da substituição de José Valente por Afonso Vaz Lacerda, então nas funções de secretário-geral da Federação Portuguesa de Futebol. Na mesma edição do dia 5, o MD publica duas despropositadas colunas sobre a amizade luso-espanhola. É uma declaração de apaziguamento que fecha o ritual de sacrifício imposto pela crónica do dia 26.

José Valente fica desamparado durante três meses, mas ainda tem amigos na redacção, sobretudo a cumplicidade alentejana e familiar com Urbano Rodrigues, velho chefe da redacção aposentado do DN, mas ainda com influência na empresa. A PIDE conclui o inquérito no final de Março, sem detectar malícia no caso do Vale dos Caídos, pelo que não há obstáculos à reintegração, desde que esta seja discreta.

José Valente é assim readmitido na Empresa Nacional de Publicidade e colocado no DN. “Descia um andar no edifício, subia na escada profissional”, registou mais tarde o seu obituário. Chefiou ali os serviços de Propaganda e Províncias até 1974.

Em contrapartida, no início de 1966, a administração da empresa conclui que Raul de Oliveira, alma e mentor do jornal desde a primeira hora, já não serve para o cargo e solicita ao Secretariado Nacional de Informação a validação do nome de José Moreira Boavida-Portugal, antigo chefe-adjunto da redacção de O Século, para director. “Raul de Oliveira era um bom repórter, tinha sagacidade para agarrar as coisas e escrevia bem. Era muito culto. Dentro do desporto, era dos que tinham mais categoria. Era uma pessoa muito sensível e muito afável com toda a gente e estimado por todos”, conta Guita Júnior. “Já para o fim da vida, mandaram-no para casa, reformaram-no. E foi mau para ele. Ele nascera naquele jornal, ali deveria morrer. Pouco depois da Volta a Portugal de 1965, deram-lhe essa novidade. Chegaram a estar os dois directores e ele percebeu o que ia acontecer. Foi substituído por Boavida-Portugal, um homem que tinha pouco que ver com o desporto. Não simpatizei com ele. Era um tipo fechado”.

Amigo de Fernando Pires, consciência crítica do DN durante 50 anos, José Valente mantém-se no jornal mesmo após a Revolução. Ascende a sub-chefe de redacção. Alice Vieira ainda trabalhou com ele: “Como jornalista, era fraco, mas simpático com os colegas. Ainda foi meu chefe”, na secção de Informação Geral, mais tarde transformada em Sociedade, conta a escritora.

Luís Alberto Ferreira colaborou com frequência com José Valente e recorda um homem “de grande carácter, irrepreensível. Como chefe da redacção, tinha gestos bonitos: certa vez, quando me desembaracei bem de uma missão em Zagreb, ele deu-se ao trabalho de ir ao aeroporto aguardar-me à chegada e transmitir calorosos cumprimentos pelo êxito profissional. Ele era assim”.

José Valente sofre, entretanto, um drama terrível, com a perda de um filho no Rio de Janeiro, vítima de um crime violento. Decide antecipar a reforma em 1985. Morre em Lisboa no dia 11 de Março de 1990 e é sepultado na sua Moura natal. Foi, de certa forma, a última vítima do Vale dos Caídos espanhol.

Vencedores dos Prémios GAZETA

Foto: Rui Ochôa / Presidência da República

O Júri dos Prémios Gazeta, os mais prestigiados do Jornalismo português, iniciativa do Clube de Jornalistas (CJ) que conta com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, apreciou este ano quase 90 trabalhos relativos a 2022. A elevada qualidade das candidaturas, prova da dinâmica que, resistindo à crise, o Jornalismo conserva, tornou complexa a escolha.

Após análise, o júri deliberou anunciar a 3 de outubro de 2023 a atribuição dos seguintes galardões:

  • Prémio Gazeta de Mérito – Ana Sousa Dias, detentora de uma sólida carreira jornalística, que deixou a sua marca em diversos meios. Estreou-se no Vida Rural, passou por diversos jornais – Diário de Notíciaso DiárioExpressoPúblico e Jornal de Notícias – e pela Agência Lusa. O programa de entrevistas “Por outro lado”, distinguido com o Gazeta em 2003, representou a sua estreia em televisão. Assinou, também, trabalhos na Antena 1 e Antena 2, RCP e TSF. Atualmente, exerce funções de provedora do telespetador da RTP.
  • Gazeta de Televisão – Amélia Moura Ramos, graças à reportagem “A roupa dos brancos mortos”, emitida no Jornal da Noite da SIC de 12 de maio de 2022. O trabalho, levado a cabo no Gana e em Portugal, revela o circuito do vestuário que depositamos para caridade. A transação de roupa que o Ocidente deita fora tem muito para desvendar. Paulo Cepa (repórter de imagem), Luís Gonçalves (editor de imagem), Pedro Morais (grafismo), Diana Matias e Ângela Rosa (produção editorial) integraram a equipa de reportagem.
  • Gazeta de Imprensa – Miguel Carvalho e Pedro Caldeira Rodriguesex aequo. O primeiro assinou na revista Visão uma corajosa reportagem – “O braço armado do Chega”, publicada em 17 de novembro de 2022 – sobre a militância de profissionais da PSP e da GNR no partido, legalmente proibida. Pedro Caldeira Rodrigues, da Agência Lusa, é autor de um conjunto de reportagens sob o título genérico “Chove em Kiev”, sendo as primeiras anteriores à invasão russa, fundamentais para contextualizar a situação e compreender a natureza do conflito.
  • Gazeta de Rádio – Paula Borges, por “Na arte de resistir – Somos Moçambique”, reportagem emitida pela RDP África a 2 e 4 de novembro de 2022, centrada na identificação das soluções para a recuperação de zonas afetadas por catástrofes naturais e conflitos. Da equipa, que visitou várias regiões do país, fizeram também parte o jornalista moçambicano Orfeu de Sá Lisboa e o sonorizador Paulo Cavaco.
  • Gazeta de Multimédia – Inês Rocha, autora de “Quis saber se o RGPD funciona. Então, fiz ‘download’ da minha vida”, trabalho publicado pela Rádio Renascença em 19 de abril de 2022. “Onde andam os nossos dados? Que dados as empresas guardam sobre nós? Até onde nos leva a nossa pegada digital?” – eis as questões suscitadas na investigação, que implicou o contacto com mais de 70 entidades.
  • Gazeta de Fotografia – João Porfírio, do Observador, pelo conjunto de imagens enquadradas na reportagem “Ucrânia – Os primeiros 75 dias de guerra”, divulgadas entre 24 de fevereiro e 13 de junho de 2022, acompanhando a par e passo a fase inicial do conflito bélico com a Rússia, ainda em curso.
  • Gazeta Revelação – Daniel Dias, autor do texto da reportagem “Há caçadores de água da neblina que querem criar novas florestas em Portugal”, publicado a 10 de novembro de 2022 no Público, sobre um projeto ibérico centrado na recuperação de territórios afetados por incêndios, que está a ser desenvolvido em Carregal do Sal. A fotografia e o vídeo são da autoria de Tiago Bernardo Lopes.
  • Gazeta de Imprensa Regional, atribuído pela Direção do Clube de Jornalistas – Mensageiro de Bragança, semanário diocesano regionalista fundado em 1 de janeiro de 1940, que se institui como veículo de ligação à comunidade transmontana residente na cidade, noutras zonas do país e no estrangeiro. 

O Júri dos Prémios Gazeta 2022 teve a seguinte composição: Eugénio Alves (CJ), que presidiu, Cesário Borga (CJ), Eva Henningsen (Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal), Elizabete Caramelo (professora universitária), Fernando Cascais (professor universitário e formador do Cenjor), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e televisão), José Rebelo (professor emérito do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa), Inácio Ludgero (fotojornalista), Dina Soares (Jornalista) e Paulo Martins (jornalista e professor universitário).

Os Prémios Gazeta serão entregues pelo Presidente da República, como é tradição desde 1984. A cerimónia irá realizar-se este ano a 27 de novembro.

Jaime de Saint Maurice (1932-2023)

O jornalista Jaime de Saint Maurice morreu esta manhã em Lisboa, aos 91 anos. O velório irá decorrer no sábado, dia 23, a partir das 18 horas, na Igreja São João de Deus, em Lisboa. No domingo, dia 24, haverá uma cerimónia religiosa pelas 10h30, seguindo depois para o cemitério dos Olivais.

Jaime de Saint Maurice nasceu em Novo Redondo, Angola, em 1932. Viveu e trabalhou em Luanda onde iniciou a sua carreira no jornal ”Angola Desportiva”. Seria depois convidado em 1966 para a revista ilustrada “Notícia“ onde se notabilizou como redator e repórter, tendo a certa altura assumido as funções de chefe de redação. 

Deixou Luanda em 1971 para trabalhar em Lisboa no jornal ”A Capital”, onde permaneceu até 1980. A sua paixão era a reportagem e foi enviado especial por diversas vezes para a cobertura de acontecimentos internacionais, como foi o caso do conflito na Irlanda do Norte.

O interesse pela televisão levou-o a ingressar na RTP em 1973 e aí, como jornalista, desempenhou as funções de repórter e de chefia ao longo de muitos anos.

A sua filha, Anabela de Saint Maurice, herdou do pai a paixão pelo jornalismo, dedicando-se sobretudo à realização de documentários na RTP, onde trabalha desde 1986.

Entrevista | Elisa Ferreira

A Comissária Europeia Elisa Ferreira, durante a sua entrevista no Clube de Jornalistas 25_40_50, em Lisboa, 15 de setembro de 2023. FOTO: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A Adesão da Ucrânia à União Europeu constituiria uma “mudança radical” na Europa e na repartição de fundos estruturais, afirmou esta sexta-feira, 15 de setembro, a Comissária Europeia para a Política de Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, em entrevista ao “Clube de Jornalistas 25_40_50“.

Esta é uma iniciativa que se realiza no âmbito dos 50 anos das comemorações do 25 de Abril e dos 40 anos do Clube de Jornalistas, em parceria com a Agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, com o patrocínio da Associação Mutualista Montepio.

Depois da primeira entrevista de António Costa após a sua reeleição, em abril de 2022, seguiu-se uma conversa com Tiago Rodrigues, encenador e antigo diretor do Teatro Nacional D. Maria II, naquela que foi a sua primeira entrevista como diretor do Festival de Avignon.

Agora, Elisa Ferreira deu a primeira entrevista de um alto responsável europeu depois do Estado da União. Tal como nas edições anteriores, as perguntas ficam a cargo de quatro gerações de jornalistas: Francisco Sarsfield Cabral (jornalista freelancer), Helena Garrido (jornalista freelancer), Paulo Barriga (jornalista freelancer), Joana Nunes Mateus (Expresso) e Maria de Deus Rodrigues (Lusa), com Ricardo Costa (SIC) como pivot da emissão.

Neste entrevista, Elisa Ferreira lembrou que as mesmas preocupações foram levantadas em relação à adesão da Polónia, em 2004, mas que “as coisas foram-se resolvendo”. A comissária sublinhou que a necessária reconstrução da Ucrânia não é um problema, mas antes “uma grande oportunidade para as empresas que se queiram posicionar”.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen defendeu, no discurso sobre o estado da União Europeia, uma reforma que permita a entrada da Ucrânia e de mais dois Estados na União Europeia, passando para 30 membros. “O futuro da Ucrânia está na nossa União”, afirmou no debate realizado no Parlamento Europeu.

A adesão à União Europeia da Ucrânia tem sido pedida repetidamente pelo Presidente daquele país, Volodymyr Zelensky, desde o início da guerra lançada pela Rússia em fevereiro do ano passado. O país já iniciou estando uma reforma legislativa e de combate à corrupção como primeiro passo para o pedido formal.

No entanto, o impacto dessa adesão tem levado alguns especialistas a alertar para as dificuldades de um país que está a passar por uma guerra e também para a possibilidade de o centro de atenção passar para o leste europeu. Com uma população a ronda os 40 milhões de habitantes, a Ucrânia tornar-se-ia no quinto maior membro da UE e o maior em área terrestre.

Para a comissária europeia, não se pode discutir apenas a questão dos fundos estruturais, é preciso “olhar para o conjunto”.

Problema de Portugal é falta de “qualidade de vida”

Elisa Ferreira falou também dos baixos salários em Portugal, que levam muitas pessoas, sobretudo jovens, a emigrar, reforçando que o problema em Portugal é “a falta de qualidade de vida”.

“A questão é saber se os salários permitem qualidade de vida. E percebemos que isso não acontece. Gerações qualificadas não conseguem encontrar empregos e esquemas de vida que garantam um mínimo de qualidade”, disse.

Para a comissária, a solução passa por olhar para a sociedade como um todo e por abordar, de facto, a questão da organização das pessoas no território. “A lógica muito típica que é dizer que ‘a culpa é do Governo’, mas há que olhar também para as empresas e a sociedade”.

Utilização em outros meios
A Agência Lusa disponibiliza a todos os seus clientes o vídeo das entrevistas, além do tratamento jornalístico que considerar adequado publicar, e esse material poderá ser utilizado livremente por todos os órgãos de Comunicação Social. O vídeo integral de cada uma destas entrevistas também estará disponível no YouTube e o áudio pode ser ouvido e descarregado no canal de Podcast do Clube de Jornalistas.

“Jornalismo Sempre” será o lema do 5º Congresso dos Jornalistas

O Cinema S. Jorge, em Lisboa, irá acolher o 5º Congresso dos Jornalistas. A reunião magna da classe, marcada para os dias 18, 19, 20 e 21 de janeiro de 2024, terá assim por cenário o mesmo local onde decorreu o 4º Congresso, em 2017.

O Congresso dos Jornalistas é promovido pelo Sindicato dos Jornalistas, Casa da Imprensa e pelo Clube dos Jornalistas. O 5º Congresso decorre no ano em que Portugal assinala os 50 anos do 25 de abril. Nesse sentido, a Comissão Organizadora (CO) decidiu associar o evento ao aniversário da revolução, estando a preparar um conjunto de iniciativas complementares ao congresso que homenageiam, desde logo, a liberdade de imprensa.

A pensar nas conquistas de abril, a CO elegeu como lema do 5º Congresso “Jornalismo Sempre”. Acima de tudo, o que motiva as cinco dezenas de jornalistas e professores de jornalismo que integram a CO é o futuro da profissão.

A CO tem uma composição paritária e integram-na jornalistas de todas as gerações, com ligações aos diversos órgãos de comunicação social e às diferentes plaraformas, jornalistas freelance, professores e formadores de jornalismo.

Pode conhecer abaixo a composição das comissões Organizadora e Executiva, do Secretariado e do Conselho Consultivo do 5º Congresso. 

Promotores

Casa da Imprensa – representada pelo presidente, António Borga

Clube de Jornalistas – representado pela presidente, Maria Flor Pedroso

Sindicato dos Jornalistas – representado pelo presidente, Luís Filipe Simões

Comissão Organizadora 

Presidente: Pedro Coelho, SIC/NOVA FCSH
Apoio à presidência: Ilana Oliveira, SJ 

Grupos de Trabalho 

Audiovisual
Joana Carvalho Reis, Antena 1 – coordenadora
Sara de Melo Rocha, CNN Portugal – coordenadora Filipe Santa Bárbara, TSF – coordenador
Ana Catarina André, Rádio Renascença
Filipe Ferreira, SIC
Sandra Machado Soares, RTP 

Comunicação
Filipe Garcia, Expresso – coordenador
Teresa Abecasis, CNN Portugal – coordenadora
Adriana Alves, Observador
Diana Gomes, Global Media Group
Leonor Riso, Sábado 

Ética, Deontologia e Precariedade
Paulo Martins, Jornalismo&Jornalistas/Universidade de Lisboa – coordenador
Vânia Maia, Visão – coordenadora
Ana Carrilho, Universidade de Coimbra
Bárbara Reis, Público
Carlos Camponez, freelancer/Universidade de Coimbra
Daniel Reis, aposentado
Diana Andringa, aposentada
Fernando Correia, aposentado
Joaquim Fidalgo, jornalista/Universidade do Minho (jubilado)
Margarida David Cardoso, Fumaça
Rui Pereira, Universidade Lusófona do Porto
São José Almeida, Público 

Financiamento
Ana Suspiro, Observador – coordenadora
Nuno Aguiar, Exame – coordenador
Maria João Babo, Jornal de Negócios
Raquel Martins, Público
Vitor Costa, CNN 

Formação e Acesso à Profissão
Francisco Sena Santos, freelancer/ESCS – coordenador
Luís Bonixe, Instituto Politécnico de Portalegre – coordenador
Ana Pinto Martinho, ISCTE/CENJOR
Maria Rodrigues, jornalista estagiária
Miguel van-der Kellen, Universidade Autónoma 

Investigação
Filipe Teles, Setenta e Quatro – coordenador
Paulo Pena, Investigate Europe – coordenador
Marisa Torres Silva, NOVA FCSH
Micael Pereira, Expresso
Miguel Carvalho, Visão
Ricardo Esteves Ribeiro, Fumaça
Rui Barros, Público 

Logística
Isabel Nery, freelancer – coordenadora
Paulo Alves Nogueira, Lusa
Cláudia Martins, Antena 1
Dina Margato, freelancer/IBERIFIER/Instituto Superior Miguel Torga
Marcos Borga, Visão
Ricardo Duarte, Jornal de Letras 

Proximidade
Paulo Barriga, freelancer – coordenador
Pedro Jerónimo, Universidade da Beira Interior – coordenador
Dora Mota, Universidade do Minho
Elisabete Rodrigues, Sul Informação 
Glória Lopes, Mensageiro de Bragança
Marta Caires, Expresso e SIC Madeira
Paula Sofia Luz, freelancer 

Relações Institucionais
Rebecca Abecassis, RTP Europa – coordenadora
João Damião, jornalista estagiário
Rita Murtinho, jornalista estagiária 

25 de Abril
Sofia Branco, Lusa – coordenadora
Cláudia Lobo, Visão
Inês Duarte Coelho, TSF
João Rosário, RTP
Miguel Carvalho, Visão
Paula Sofia Luz, freelancer
Sandy Gageiro, RDP 

Comissão Executiva

Pedro Coelho, SIC/NOVA FCSH
Ana Suspiro, Observador
Filipe Garcia, Expresso
Filipe Teles, Setenta e Quatro
Francisco Sena Santos, Instituto Politécnico de Lisboa
Isabel Nery, freelancer 
Joana Carvalho Reis, Antena 1
Luís Bonixe, Instituto Politécnico de Portalegre
Nuno Aguiar, Exame
Paulo Alves Nogueira, Lusa
Paulo Barriga, freelancer
Paulo Martins, freelancer e Universidade de Lisboa
Paulo Pena, Investigate Europe
Pedro Jerónimo, Universidade da Beira Interior
Rebecca Abecassis, RTP Europa
Sara de Melo Rocha, CNN Portugal
Vânia Maia, Visão
Teresa Abecasis, CNN Portugal 

Secretariado
Pedro Coelho, SIC/NOVAFCSH
Ana Suspiro, Observador 
Nuno Aguiar, Exame 
Isabel Nery, freelancer
Paulo Alves Nogueira, Lusa
António Borga, presidente da Casa da Imprensa
Waldemar Abreu, vogal da Direção da Casa da Imprensa
Maria Flor Pedroso, presidente do Clube de Jornalistas
Cesário Borga, vice-presidente do Clube de Jornalistas
Luís Filipe Simões, presidente do SJ
Maria João Duarte, SJ 

Conselho Consultivo
Adelino Gomes
Alexandre Manuel 
Ana Carrilho
Ana Sousa Dias
António Granado
António Marujo
Cândida Pinto
Daniel Reis 
Diana Andringa
Eugénio Alves
Fernando Correia
Germano Silva
Helena Garrido
Jacinto Godinho
João Paulo Guerra
Joaquim Furtado
José Carlos Vasconcelos
José Manuel Mestre
José Pedro Castanheira
José Rebelo 
Judith Menezes e Sousa
Luís Afonso
Luís Humberto
Marcos Manuel Pinto 
Maria José Mata
Ricardo Alexandre
Sandra Marinho
São José Almeida 

JJ #80

JJ #81

As implicações do crescimento do discurso de ódio no domínio do Jornalismo constituem o tema central da edição n.º 81 da revista Jornalismo & Jornalistas. O fenómeno é analisado, numa perspetiva abrangente, por Marisa Torres da Silva, enquanto Paulo Martins chama a atenção para as situações em que os profissionais são diretamente atingidos e duas jovens estudantes abordam uma investigação realizada em Portugal.

Esta edição, que assinala o 40.º aniversário da fundação do Clube de Jornalistas – aproveitando para homenagear Ribeiro Cardoso, um dos seus dirigentes mais ativos, falecido este ano – integra outra efeméride, o bicentenário do nascimento de Henriques Nogueira, invocado por Álvaro Costa de Matos.

Em entrevista, Vítor Serpa, o jornalista mais longevo como diretor de um órgão de comunicação, pronuncia-se sobre as mudanças em curso no Jornalismo e fala da sua experiência, também enquanto escritor.

José Carlos Pratas apresenta uma seleção de fotografias da sua longa carreira. A secção “Um dia na redação” propõe-se “contar o Alentejo a partir de Portalegre”. Gonçalo Pereira Rosa recorda o episódio da edição do Primeiro de Janeiro lançada em 1987 pela administração, nas costas da diretora, Agustina Bessa-Luís. Para não perder de vista a atualidade, este número integra ainda artigos sobre o novo contrato coletivo da Imprensa, assinado pelo Sindicato, o prémio Jornalismo em Saúde, o I Congresso dos Jornalistas dos Açores e o percurso de Fernando Valdez, também desaparecido recentemente.

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José Manuel Barata-Feyo | “Os leitores hoje são mais exigentes”

José Manuel Barata Feyo. Fotografia: José Frade

O provedor do leitor do Público faz um balanço do mandato de um ano. Consciente de que cabe aos leitores julgarem o seu desempenho, não deixa de sublinhar que a criação do cargo de editor de Opinião, sem paralelo na Europa, partiu de sugestão sua. A conversa, em que a palavra honestidade é repetida várias vezes, como princípio fundamental da prática jornalística, estende-se aos desafios dos media e à Carta de Direitos Humanos na Era Digital, que tira José Manuel Barata-Feyo do sério. Passando pelo seu tempo de jornalista da RTP, ainda sob tutela governamental.

Paulo Martins Texto
Elodie Fiedler Fotos

É, neste momento, o único provedor da Imprensa portuguesa, modelo que o Público recuperou. Apresenta-se como “interlocutor permanente, independente e responsável pela defesa dos direitos do leitor”. Conseguiu cumprir o objetivo, neste ano de mandato?

Pelo menos, tentei. E se não consegui, a culpa não é certamente do Público, cuja colaboração tem sido exemplar, a começar pelo diretor. Se pelo meu lado consegui fazê-lo ou não, caberá aos leitores avaliar e julgar.

Ao adotar esse enunciado, parece que toma partido – está em funções para defesa dos direitos do leitor. Mas o leitor pode interpretar a função de outra maneira: “Este senhor é funcionário do jornal”.

Isso aconteceu uma vez com um leitor, que sem por diretamente em causa a figura do provedor do leitor, referiu, em abstrato, que temos empresas que auditam outras e cujos resultados acabam por ser determinados não pela realidade do que constataram, mas pelo facto de serem pagas pela empresa que encomendou o trabalho. Posso garantir que não é certamente por aquilo que o Público paga a um jornalista para ser provedor do leitor que ele se torna um instrumento da hierarquia do jornal. Não faz sentido. O provedor do leitor é provedor do leitor, quer seja pago pelo jornal, quer não seja.

A disposição estatutária de limite de mandato contribui para uma imagem de independência.

Sim, sim. Posso garantir que nunca houve da parte do Público a mais pequena interferência no meu trabalho. Algumas vezes, fui crítico do jornal e dos jornalistas, outras não, porque é invulgar que a verdade esteja sempre de um só lado. Mas a regra é que os leitores têm normalmente razão nos seus protestos. O provedor faz o que lhe compete: sublinhar que o leitor tem razão e que o jornal violou o Livro de Estilo ou, mais raramente, o Código Deontológico ou o Estatuto Editorial. Isso acontece naturalissimamente; nunca houve qualquer problema.

Numa crónica de agosto, colocou a questão-chave sobre se é provedor do leitor ou do jornal. Sente que conseguiu cumprir esse compromisso de respeitar – ou de chamar a atenção para eventuais infrações –  o Código Deontológico, o Estatuto do Jornalista, o Estatuto Editorial e o Livro de Estilo do Público?

Se não consegui, só eu sou culpado. Atuei – e continuo a atuar, porque sou provedor no momento em que falamos – com total independência e liberdade. Mas isso é uma coisa. Outra é aquilo que o provedor consegue ou não fazer. Estou relativamente contente, na medida em que pelos menos duas sugestões feitas pelo provedor foram acolhidas pelo jornal. A primeira tinha que ver com a parte gráfica: leitores daltónicos tinham problemas para avaliar a qualidade das críticas a filmes, porque as “estrelinhas” apareciam com cores. A direção gráfica resolveu o problema. Hoje, são usadas “estrelinhas” cheias, meio cheias ou vazias. 

Qual foi a outra sugestão?

Foi a instituição de um editor de Opinião, o jornalista Álvaro Vieira. Todos os textos passam por ele. Tem poderes para lhes mexer, não diretamente, mas chamando a atenção dos autores. Gostamos muito de nos comparar com os europeus. Ora, tanto quanto sei, o Público é o único jornal europeu com um editor de Opinião. Isso é muito importante. Há uns meses, um estudo europeu revelou que uma percentagem considerável de jovens confunde factos com opinião. Quando o opinador utiliza como argumentos factos errados, os jovens não entendem o texto como de opinião e, por conseguinte, não colocam reservas. Isso cria problemas graves. Como dizia um célebre jornalista norte-americano, não é possível sustentar que o sol nasce a poente. A liberdade de opinar não passa por aí. 

Essa questão remete para os limites da liberdade de expressão e a responsabilidade de uma direção editorial. Será legítimo que uma direção editorial decida não publicar determinado texto de um cronista permanente, porque afeta direitos de terceiros, por exemplo?

Incontestavelmente! Um dos problemas que se colocam em Portugal – também, talvez, resultado de uma democracia recente – é a falta de prática nesse domínio e alguns exageros no que respeita à liberdade de expressão, que ocorreram logo a seguir ao 25 de Abril. Isso leva-nos a esquecer algumas coisas básicas: o diretor de um jornal tem todo o direito de impor os seus critérios editoriais sobre quaisquer outros. Do ponto de vista legal, é o responsável. Portanto, quando decide publicar – ou não publicar – o texto de um colaborador, inclusive de um jornalista, faz prevalecer o seu critério editorial. Se assim não fosse, a coisa mais parecida com uma república absolutamente anárquica seria um jornal, onde cada um publicaria o que lhe apetecia, inclusive violando o Estatuto Editorial e o Código Deontológico.

Voltando à sua função de provedor. Que tipo de queixas lhe são apresentadas? A ideia que ficou da atuação dos provedores do leitor em Portugal é que uma grande parte tinha a ver com suspeitas, mais ou menos assumidas pelos leitores, sobre posicionamentos políticos do jornal.

Algumas são desse tipo, não a maioria. Houve uma evolução do conhecimento dos leitores em relação aos mecanismos de feitura de um jornal. É claro que, por vezes, o leitor quer ver no jornal uma espécie de reconforto para as suas opiniões político-partidárias. Mas um jornal independente não tem de reconfortar as opiniões de A, B ou C, porque é de todos os leitores. Algumas vezes sucede que, em relação aos cronistas mais marcadamente à esquerda ou à direita – se é que podemos falar nestes termos – há protestos. Há leitores que protestam contra textos de Rui Tavares ou, por exemplo, de Fátima Bonifácio. Percebemos imediatamente onde se situam em termos politico-ideológicos. Trata-se de leitores que querem muito encontrar num jornal independente o apoio para as suas convicções. O provedor, que não se pronuncia sobre textos de opinião, tem uma função que considero didática: dizer ao leitor que quanto mais rico for o leque de pessoas que contribui para os textos de opinião – não confundir com notícias – mais rico é o jornal, no plano da diversidade. Sei que algumas pessoas discordam deste ponto de vista. O professor Nobre-Correia defende ser completamente absurdo pensar-se que um jornal pode ser independente, porque tem uma linha ideológica. É discutível. Podemos considerar que um jornal se situa numa área politico-ideológica mais um menos evidente, que transparece nos artigos de opinião, na escolha das notícias e na maneira como as trata. Se olharmos para o exemplo da França – que conheço melhor, porque estive lá exilado – diremos que o Figaro é claramente identificado com setores mais conservadores e o Monde com a esquerda. Como poderíamos classificar o Público, usando esse critério? Uma coisa me parece certa: não é um jornal conservador. Situa-se numa área progressista, algumas vezes roçando o que se convencionou chamar extrema-esquerda. É perfeitamente legítimo, porque o próprio Livro de Estilo aponta princípios identificados com uma posição político-partidária que – a análise é exclusivamente minha – situaria do centro-esquerda para a esquerda.

Não é incompatível um jornal ter um posicionamento político e, no plano jornalístico, adotar critérios e formas de funcionamento que permitem manter o distanciamento. Em Espanha, toda a gente sabe: El País é de esquerda e El Mundo de direita, mas este jornal denunciou casos de corrupção envolvendo o PP. O importante é preservar a independência dos jornalistas.

O que marca o posicionamento de um jornal é o editorial, se não assinado. Um editorial assinado é a posição de quem o assina sobre determinada matéria. Podemos nós considerar que o Figaro ou o Monde não são independentes? Diria que são, embora tenham marcadamente uma posição com a qual os respetivos leitores se identificam. É o velho drama daquilo que não existe na Imprensa, a chamada objetividade. A objetividade não existe; o que existe é a isenção e a honestidade. Sobretudo a honestidade com que o jornalista transmite aquilo que vê! Para mim, o Público não é um jornal conservador, embora abra as suas páginas e dê voz a cronistas que se situam na área dos conservadores, alguns até muito conservadores.

Regra geral, os jornalistas acolhem as suas posições, como provedor, quando são criticados? 

Até hoje, só tive o caso de dois jornalistas que não aceitaram as posições do provedor, que é independente.

Esse caso é conhecido. O Público, ao proporcionar aos jornalistas em causa, Cláudia Marques Santos e Paulo Pena, espaço para se defenderem só se prestigiou. O caso poderia ter criado um conflito difícil de gerir, mas o jornal abriu-se à discussão. Concorda?

Não discuto se o jornal fez bem ou mal ao proporcionar a esses jornalistas, que não são do quadro do Público, a possibilidade de transmitirem a sua opinião sobre a posição do provedor. Por uma questão de delicadeza, o Público disse-me antes. E achei que deveria fazer o que entendia. Depois, havia dois caminhos: ou o provedor respondia numa página de opinião ou fazia o que optei por fazer: escrever apenas um post scriptum na sua coluna. Sei que a questão foi colocada ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e que através de uma série de trapalhadas que tenho dificuldade em entender – e não prestigiam em nada o dito conselho – o relatório preliminar chegou o conhecimento dos queixosos, chamemos-lhe assim, que perante isso retiraram a queixa. Nunca se saberá ao certo o que estava nesse relatório preliminar. Mas não sejamos ingénuos: é óbvio que se a posição pelo menos do conselheiro relator fosse no sentido da queixa apresentada pelos jornalistas eles não se teriam oposto a que as conclusões finais fossem tornadas públicas. Enfim, é só a minha interpretação da desistência da queixa. Lamento que o conselho não se pronuncie sobre a matéria, porque me parece exemplar de uma certa arrogância, que todos nós jornalistas temos, que nos leva a determinar que estamos acima das instituições e que em nome da liberdade de Imprensa podemos dizer uma coisa e o seu contrário. Neste caso, o que estava em jogo era se em determinado julgamento os réus, condenados a 8 e 9 anos de prisão, tinham sido bem ou mal condenados. Houve intervenção de um coletivo de juízes, depois da Relação e do Supremo. Quando investigamos um processo judicial, podemos sempre encontrar falhas. Mas, do ponto de vista jornalístico, não aceito – porque não foi isso que aprendi – que se transmita uma posição sem se ouvir a outra parte. Não é, obviamente, entrevistar os juízes…

Na sua opinião, não era suficiente a própria sentença?

A sentença teria de ser “ouvida”. O leitor tinha de saber quais as razões que levaram os tribunais a condenar, com penas pesadas, os dois jovens. Toda a investigação foi feita a apontar no sentido de que o julgamento não tinha sido justo. Ora, em democracia o poder judicial é extremamente importante. Ignorar pura e simplesmente uma parte… Recordo o que sucedeu durante décadas com as comissões parlamentares de inquérito ao “caso Camarate” e com o jornal O Diabo, que nunca quiseram ouvir ou transmitir as posições dos tribunais. Foram sempre escamoteadas, para impor a tese de atentado. Não é aceitável que se ataque um acórdão do tribunal sem transmitir na peça jornalística as razões que o levaram a condenar. Depois, o leitor julgará. Escamotear as posições dos tribunais, num Estado de Direito, parece-me perigoso. E viola, claramente, o artigo 1.º do Código Deontológico. Não tenho a mínima dúvida a esse respeito: é ouvida uma parte, não é ouvida a outra. Isso é muito grave! Se aplicarmos esse princípio, teremos jornais que são panfletos. Não queremos jornalismo feito com parti pris. A justificação dada pelos jornalistas, neste caso concreto, foi que a sentença é pública. Isso quer dizer que os leitores do Público iriam ao Tribunal de Portimão consultar o processo? Ou competia aos jornalistas transmitirem, num parágrafo que fosse, as razões do tribunal?

Como avalia, em geral, o cumprimento das regras deontológicas em Portugal?

Estou muito descrente em relação a isso. Há um relaxar das regras deontológicas, extremamente preocupante. Remete para uma série de considerandos, que têm que ver com a pressão brutal exercida sobre a Imprensa (com maiúscula; não gosto da expressão comunicação social, que é tudo, até as redes sociais). As pressões que existem em nome de fatores de rendibilidade – isto é, as televisões têm de ter audiências, porque vivem da publicidade… Não é o caso do serviço público, agora. Foi uma enorme deceção para mim. Toda a vida me bati pela independência do serviço público e tive desaguisados terríveis na RTP por causa disso. Tínhamos um estatuto governamental.

Hoje já não é exatamente assim…

Hoje, não é assim de todo! Aquele tempo sinistro em que mudava o Governo e a tutela nomeava um novo conselho de administração, que por sua vez nomeava as direções, que nomeavam as chefias… Era uma cadeia insalubre de dependência do serviço público face à tutela. No meu caso, além de terem tentado despedir-me várias vezes, acabaram com o programa, “Grande Reportagem”, dispersaram a redação e fiquei proibido de entrar nas instalações e de trabalhar durante 18 meses. É um claro exemplo de interferência direta do Governo – hoje, sabe-se quem foram os membros do Governo que intervieram. Esse combate foi ganho pelos jornalistas, uma vez que o Conselho de Comunicação Social impôs que a reportagem sobre a guerra civil em Angola, feita com as tropas da UNITA, fosse emitida. Um pouco melhor do que esse estatuto governamental, seria o parlamentar. Mas o ideal é o que temos hoje…

A existência de um Conselho Independente.

Lamento imenso dizê-lo, mas a passagem do estatuto governamental para o atual não se refletiu na RTP. Tal como a independência do financiamento, que era usado pelos governos para condicionar o trabalho na RTP. Tive casos em que uma reportagem não era feita não porque o diretor de informação achasse que não era adequado fazê-la, mas porque a administração, por razões puramente políticas e governamentais, decidia que não havia dinheiro para a fazer. Isso aconteceu durante décadas – na ditadura e em democracia. O presidente do Conselho de Administração da RTP exercia funções com a assinatura da tutela. Não tinha qualquer espécie de independência funcional.

Tem uma visão muito negativa do cumprimento de regras deontológicas. O que considera necessário fazer para melhorar? Novos instrumentos?

Não. Basta respeitar os textos fundadores da liberdade de Imprensa; não temos de inventar mais nada. Chegam. Ou, então, vai mudando a legislação ao sabor do lado de onde sopra o vento. No caso do Público, há o Livro de Estilo, exemplar em qualquer parte do mundo. Está lá tudo! Precisamos é de trabalhar, como já disse, com isenção, com independência e com honestidade. As queixas dos leitores, para concluir a resposta à questão de há pouco, raramente são na área dos considerandos político-ideológicos. Olhe, são sobre os títulos, por exemplo. Porque, por vezes, sobretudo os de primeira página, dizem uma coisa que não está no texto. Os leitores, hoje, já são mais exigentes. Evoluíram muito, designadamente em relação a questões de ordem técnica. Estão muito mais atentos e já têm um melhor e maior conhecimento das obrigações éticas dos jornalistas. E protestam. Os limites dos títulos, forçosamente curtos, fazem com que muitas vezes sejam especulativos e não fundamentados. Quando os leitores se queixam, o provedor pergunta ao jornalista ou ao editor responsável como responde ao leitor. Depois, decide. Não em função daquilo que lhe passa pela cabeça, mas dos textos – Estatuto Editorial, Livro de Estilo, Código Deontológico e Estatuto do Jornalista.

Também tem feito crítica mais alargada aos media. Chegou a escrever sobre a “agência noticiosa” Marques Mendes, sublinhando que um comentador não é uma fonte. Os comentadores estão a substituir-se aos jornalistas?

Acho que os jornalistas fazem todo o possível para que os comentadores os substituam. Como, aliás, fizeram tudo para tornar as redes sociais naquilo que elas são. Recordo-me de um colega que andava histérico nas redações porque tinha descoberto que havia opinião nas redes sociais. E começámos a fazer programas de informação sobre as redes sociais. As redes sociais são uma criatura. São um aborto do jornalismo que fizemos. Não vale a pena tentar encontrar desculpas para isso. Os “polígrafos” também são um aborto, em inúmeros casos. Não consigo entender que critério leva à apreciação por parte do “Polígrafo” de casos de que ninguém ouviu falar. Um anónimo qualquer produz uma barbaridade e o “Polígrafo” vai constatar que é uma barbaridade.

Amplifica a mensagem.

Sim. A barbaridade não teria existido se não fosse o “Polígrafo”. Isto é: o resultado é o oposto daquela que seria, teoricamente, a intenção do “Polígrafo”, que afinal serve para projetar e amplificar as bacoradas – o termo é mesmo esse – que são ditas nas redes sociais.

Tomou posição sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.

Uma infâmia!

Está mesmo convencido de que abre caminho à censura?

Não tenho a mínima dúvida! É uma infâmia porquê? Porque o artigo 6-º, invocando uma terminologia quase copiada da censura instituída pela ditadura, diz que os jornais e os jornalistas, a partir de agora, têm como função andar por aí a vigiar e a julgar se a informação que sai é correta ou não. E, depois, passam os serviços a julgar. O próprio jornal vai receber um selo de qualidade – através de algo que não sabemos bem o que é; não pode ser a ERC, que não dá para as encomendas agora, imaginemos quando tiver centenas de queixas. Serão uma série de “erquezinhas”, que terão como missão dar um selo de qualidade ou de autenticidade. Isto é: teremos alguém exterior à cadeia hierárquica de um jornal que se pronuncia sobre o que publicou. Isso chama-se, em qualquer parte do mundo, censura! Como pode ter sido proposto em Portugal por um partido – estou a falar do PS – que teve várias tentações totalitárias, sobretudo em relação à televisão, e continua a ter? Um partido como o PS a propor que se crie uma série de pequeninas censurinhas! Já não será um coronel com um lápis, será um cabo ou um sargento. Andarão por aí a por um selo na malta. Em nome de quê um estado democrático vem agora decidir se a informação – já condicionada pelo que falámos e que tem textos balizadores suficientes – está a ser boa ou má? E que autoridade têm essas “erquezinhas” para porem um selo na malta? É perfeitamente revoltante! Isso é invocado porquê? Porque a Europa decidiu estudar a possibilidade de, em relação às redes sociais, criar mecanismos que as impeçam de atuar com a selvajaria que as carateriza. Lisboa, a correr, antecipou-se aos putativos desejos de Bruxelas e tentou aplicar isso não só ao digital, às redes sociais, mas à Imprensa e aos jornalistas. O Parlamento aprovou tudo sem um único voto contra. Marcelo [Rebelo de Sousa] promulgou essa infâmia. E nós, jornalistas, calámo-nos que nem ratos. Foram necessárias duas pessoas que não são jornalistas (António Barreto e Pacheco Pereira) e o provedor do leitor do Público – por acaso no mesmo número do jornal, sem falarmos [previamente] sobre isso – para alertar os jornalistas. Como é possível? Os jornalistas parlamentares, na altura em que isso foi aprovado, não deram por nada? Acharam inócuo? Vem agora o José Magalhães com conversas… É censura, mais nada! De tal modo que o Marcelo enviou para o Constitucional. Convém que o Constitucional não fique a dormir e se pronuncie rapidamente. Volto para o exílio, se a lei entrar em vigor, e devolvo a minha carteira profissional de jornalista.

No seu mais recente livro, “O lado invisível do mundo”, que relata uma longa viagem por África, escreve a certa altura que como repórter sempre procurou ver “sem óculos de esquerda, nem de direita”. É possível ao jornalista olhar para os factos ou acontecimentos que reporta “tirando” os óculos, sejam eles políticos, ideológicos ou sociais?

Isso remete para a velha questão da honestidade. Fui para África com dois inputs: por um lado, uma certa teoria que resultava da minha posição pessoal em relação à guerra colonial; por outro, tudo o que lia sobre ela e sobre África, e o que tinha ouvido das pessoas que regressaram das ex-colónias. Eram coisas completamente diferentes, até opostas! Vou para África com a perspetiva de que o comportamento dos portugueses e dos europeus em geral foi sempre uma abominação ou com a perspetiva de que a colonização teve coisas positivas e que os europeus não foram todos uns bandidos? Sobretudo, procurei não tomar posição entre estas duas perspetivas, os óculos de esquerda e os de direita. Quando lá cheguei, o que mais me surpreendeu não foi uma coisa nem outra: foi a manifesta incapacidade dos jovens estados africanos para se organizarem, criarem um estado, porque não tinham quadros e ninguém os preparou para isso. Foi o meu maior choque, sobretudo em relação à África negra. Saí de lá com uma visão mais límpida do que a que tinha, que não se prendia com óculos ideológicos, mas com uma perceção da realidade tal como ela é. Neste livro, limito-me a relatar aquilo que vivi. Os leitores tirarão as conclusões que quiserem. De certo modo, o livro é uma reportagem.

Novo Contrato Coletivo de Trabalho da Imprensa define “salário mínimo” de 903 euros

Depois de oito anos de negociações, o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para a Imprensa foi finalmente publicado no Boletim de Trabalho e Emprego. Firmado entre o Sindicato dos Jornalistas (SJ) e a Associação Portuguesa de Imprensa (Apimprensa), acaba com as três tabelas salariais (A, B e C).

Para o Sindicato dos Jornalistas, “deixa de haver jornalistas de segunda e de terceira”, sendo “a lógica “evidente e a interpretação da tabela simples de fazer, como deveria ter acontecido sempre: uma única carreira, apenas com distintos níveis salariais baseados na antiguidade e tendo como princípio a aceleração da progressão salarial em virtude do mérito profissional”.

Este “não é o CCT perfeito”, admite o SJ, que “queria ir mais longe”. Mas irá melhorar substancialmente a vida de muitos jornalistas e poderá, no futuro, ser objeto de novas negociações.

No que diz respeito aos salários, “há um número que passa a ser um marco: 903 euros. É este o valor em euros da entrada na profissão. Digamos, de forma mais simplista, que passa a ser o salário mínimo de um jornalista. E estes 903 euros não são o ponto de chegada, são um ponto de partida, já que destas negociações ficou a necessidade de nos voltarmos a sentar à mesa para rever esta vertente fundamental do CCT.”

Os jornalistas voltam a ter 25 dias de férias, “como forma a compensar o extremo desgaste a que são sujeitos. Nalguns casos, podem chegar aos 28 dias de férias, dependendo da sua antiguidade.”

Foram também “melhoradas as condições para o exercício da profissão dos jornalistas com responsabilidades parentais, permitindo uma melhor compatibilização entre a vida pessoal e familiar. Por isso, teremos agora um conjunto de direitos superiores aos previstos na Lei geral”, refere ainda o Sindicato.

No novo CCT para a Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas e a Apimprensa regulamentaram o regime e negociaram um valor mensal para o teletrabalho. O Sindicato refere ainda que “apesar da desproteção generalizada dos prestadores de serviço economicamente dependentes, dos freelancers ou dos ‘avençados’, as partes também acordaram um anexo ao CCT que contém um conjunto de medidas, sustentadas em boas práticas, que visam melhorar as condições destes profissionais.”

Encerrada esta fase, abre-se um novo capítulo “que passa pela aplicação efetiva do CCT e nisso o SJ garante que será intransigente: o que foi negociado é para cumprir, sem exceções.”

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