A presidente do Clube de Jornalistas, uma das entidades promotoras do 5.º Congresso dos Jornalistas, que decorre de 18 a 21 de janeiro, sublinha a importância deste encontro no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril.
Abertas candidaturas à 8.ª edição do Prémio Jornalismo em Saúde
O Prémio Jornalismo em Saúde, promovido pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) e o Clube de Jornalistas, tem candidaturas abertas até 31 de janeiro de 2024.
O Prémio APIFARMA/ Clube de Jornalistas – Jornalismo em Saúde conta este ano com uma nova categoria, o prémio Saúde Mental, que se vem juntar aos prémios nas categorias Imprensa, Rádio, Televisão, Jornalismo Digital, Universitário Revelação, Grande Prémio e Prémio Carreira.
As candidaturas estão abertas até ao dia 31 de Janeiro de 2024 para as categorias de Imprensa, Rádio, Televisão, Jornalismo Digital e Universitário Revelação. O Prémio promovido pela APIFARMA e pelo Clube de Jornalistas tem um valor total de 23.500 euros a distribuir pelas diferentes categorias.
Jornalistas, detentores de título profissional, autores de trabalhos publicados em 2023, em qualquer meio de comunicação social registado em Portugal, sobre aspectos relevantes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a inovação em Saúde e o desenvolvimento económico e social na área da Saúde, podem candidatar-se ao Prémio APIFARMA/Clube de Jornalistas. Recém-licenciados de cursos superiores de Comunicação Social e Jornalismo, com trabalhos desenvolvidos de âmbito académico e que tenham sido objecto de avaliação e classificação no decorrer de 2023, poderão igualmente candidatar-se ao Prémio APIFARMA/Clube de Jornalistas – Universitário Revelação.
Só serão consideradas as candidaturas de concorrentes portugueses ou residentes em Portugal e trabalhos publicados em português.
Os candidatos devem submeter as candidaturas (formulários aqui e aqui) através do endereço electrónico cj@clubedejornalistas.pt até às 00:00 do dia 31 de Janeiro de 2024.
O regulamento do Prémio pode ser consultado aqui e o esclarecimento de dúvidas deve ser feito através do endereço de email cj@clubedejornalistas.pt.
O Prémio APIFARMA/ Clube de Jornalistas –Jornalismo em Saúde resulta de um protocolo assinado entre as duas entidades, em 2016, com os objectivos de aprofundar o papel da APIFARMA enquanto parceiro activo da Sociedade Civil e contribuir para a vitalidade do projecto Clube de Jornalistas.
Crise nos media dominou discursos na entrega dos Prémios Gazeta
Marcelo Rebelo de Sousa apelou a um pacto de regime que permita viabilizar a sobrevivência de uma comunicação social livre, forma de escrutínio essencial para a democracia.
“Isto não está mal, está muito mal – e é fundamental olhar para [a crise dos media] enquanto é tempo”, frisou o Presidente da República na cerimónia da 38.ª edição dos Prémios Gazeta, que decorreu na sexta-feira, 5 de janeiro, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, distinguindo a excelência no jornalismo nas categorias de Mérito, Revelação, Televisão, Imprensa, Rádio, Multimédia, Fotografia e Imprensa Regional.
“Este é o momento”, e a poucos dias do 5.º Congresso dos Jornalistas, “de chegar a entendimentos de regime sobre esta matéria”, afirmou o chefe de Estado, frisando que há muitos anos que se “repetem os diagnósticos, e a situação piora, vai piorando… e depois é rigorosamente irrecuperável”.
O Presidente acrescentou não estar pessimista, mas sim realista – “e o realismo impõe que não se demore mais tempo, que não se encontre solução nos 42.º ou 44.º Prémios Gazeta, que é capaz de já ser tarde”.
No final do seu discurso, Marcelo reforçou o apelo: “Espero que para o ano nos encontremos sem estes despedimentos, sem estes não pagamentos de salários, sem esta indefinição em que ninguém é responsável… não é o proprietário, não é o gestor, não é o financiador, não é ninguém com responsabilidades administrativas, morreu solteira a culpa. Às tantas só falta dizer que os responsáveis são os jornalistas, porque quiseram ser jornalistas e escolheram a porta errada.”
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, anfitrião desta iniciativa do Clube de Jornalistas, felicitou os premiados reforçando também como o jornalismo livre é essencial para a democracia: “Um jornalismo autêntico, como o que vimos aqui hoje, feito por aqueles que ganharam os prémios.”
A situação precária em que se encontra a comunicação social em geral, e nomeadamente a que se vive agora no Global Media Group, foi também abordada nos discursos de todos os premiados.

O júri dos Prémios Gazeta apreciou nesta edição cerca de 90 candidaturas de elevada qualidade, prova da dinâmica que, resistindo à crise, o jornalismo conserva, e deliberou atribuir os seguintes galardões:
- Prémio Gazeta de Mérito – Ana Sousa Dias, detentora de uma sólida carreira jornalística, que deixou a sua marca em diversos meios. Estreou-se no Vida Rural, passou por diversos jornais – Diário de Notícias, o Diário, Expresso, Público e Jornal de Notícias – e pela Agência Lusa. O programa de entrevistas “Por outro lado”, distinguido com o Gazeta em 2003, representou a sua estreia em televisão. Assinou, também, trabalhos na Antena 1 e Antena 2, RCP e TSF. Atualmente, exerce funções de provedora do telespetador da RTP.
- Gazeta de Televisão – Amélia Moura Ramos, graças à reportagem “A roupa dos brancos mortos”, emitida no Jornal da Noite da SIC de 12 de maio de 2022. O trabalho, levado a cabo no Gana e em Portugal, revela o circuito do vestuário que depositamos para caridade. A transação de roupa que o Ocidente deita fora tem muito para desvendar. Paulo Cepa (repórter de imagem), Luís Gonçalves (editor de imagem), Pedro Morais (grafismo), Diana Matias e Ângela Rosa (produção editorial) integraram a equipa de reportagem.
- Gazeta de Imprensa – Miguel Carvalho e Pedro Caldeira Rodrigues, ex aequo. O primeiro assinou na revista Visão uma corajosa reportagem – “O braço armado do Chega”, publicada em 17 de novembro de 2022 – sobre a militância de profissionais da PSP e da GNR no partido, legalmente proibida. Pedro Caldeira Rodrigues, da Agência Lusa, é autor de um conjunto de reportagens sob o título genérico “Chove em Kiev”, sendo as primeiras anteriores à invasão russa, fundamentais para contextualizar a situação e compreender a natureza do conflito.
- Gazeta de Rádio – Paula Borges, por “Na arte de resistir – Somos Moçambique”, reportagem emitida pela RDP África a 2 e 4 de novembro de 2022, centrada na identificação das soluções para a recuperação de zonas afetadas por catástrofes naturais e conflitos. Da equipa, que visitou várias regiões do país, fizeram também parte o jornalista moçambicano Orfeu de Sá Lisboa e o sonorizador Paulo Cavaco.
- Gazeta de Multimédia – Inês Rocha, autora de “Quis saber se o RGPD funciona. Então, fiz ‘download’ da minha vida”, trabalho publicado pela Rádio Renascença em 19 de abril de 2022. “Onde andam os nossos dados? Que dados as empresas guardam sobre nós? Até onde nos leva a nossa pegada digital?” – eis as questões suscitadas na investigação, que implicou o contacto com mais de 70 entidades.
- Gazeta de Fotografia – João Porfírio, do Observador, pelo conjunto de imagens enquadradas na reportagem “Ucrânia – Os primeiros 75 dias de guerra”, divulgadas entre 24 de fevereiro e 13 de junho de 2022, acompanhando a par e passo a fase inicial do conflito bélico com a Rússia, ainda em curso.
- Gazeta Revelação – Daniel Dias, autor do texto da reportagem “Há caçadores de água da neblina que querem criar novas florestas em Portugal”, publicado a 10 de novembro de 2022 no Público, sobre um projeto ibérico centrado na recuperação de territórios afetados por incêndios, que está a ser desenvolvido em Carregal do Sal. A fotografia e o vídeo são da autoria de Tiago Bernardo Lopes.
- Gazeta de Imprensa Regional, atribuído pela Direção do Clube de Jornalistas – Mensageiro de Bragança, semanário diocesano regionalista fundado em 1 de janeiro de 1940, que se institui como veículo de ligação à comunidade transmontana residente na cidade, noutras zonas do país e no estrangeiro.
O Júri dos Prémios Gazeta 2022 teve a seguinte composição: Eugénio Alves (CJ), que presidiu, Cesário Borga (CJ), Eva Henningsen (Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal), Elizabete Caramelo (professora universitária), Fernando Cascais (professor universitário e formador do Cenjor), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e televisão), José Rebelo (professor emérito do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa), Inácio Ludgero (fotojornalista), Dina Soares (Jornalista) e Paulo Martins (jornalista e professor universitário).
Prémios Gazeta entregues a 5 de janeiro
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, preside à cerimónia de entrega da 38.ª edição dos Prémios Gazeta, que decorre esta sexta-feira, dia 5 de janeiro, a partir das 19h00, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa.
Os jornalistas Ana Sousa Dias, Amélia Moura Ramos, Miguel Carvalho, Pedro Caldeira Rodrigues, Paula Borges, Inês Rocha, Daniel Dias e João Porfírio estão entre os premiados nas oito categorias dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, iniciativa do Clube de Jornalistas que conta com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa.
O júri dos Prémios Gazeta apreciou nesta edição cerca de 90 candidaturas de elevada qualidade, prova da dinâmica que, resistindo à crise, o jornalismo conserva.
O júri dos Prémios Gazeta deliberou atribuir os seguintes galardões, relativos a trabalhos publicados em 2022:
- Prémio Gazeta de Mérito – Ana Sousa Dias, detentora de uma sólida carreira jornalística, que deixou a sua marca em diversos meios. Estreou-se no Vida Rural, passou por diversos jornais – Diário de Notícias, o Diário, Expresso, Público e Jornal de Notícias – e pela Agência Lusa. O programa de entrevistas “Por outro lado”, distinguido com o Gazeta em 2003, representou a sua estreia em televisão. Assinou, também, trabalhos na Antena 1 e Antena 2, RCP e TSF. Atualmente, exerce funções de provedora do telespetador da RTP.
- Gazeta de Televisão – Amélia Moura Ramos, graças à reportagem “A roupa dos brancos mortos”, emitida no Jornal da Noite da SIC de 12 de maio de 2022. O trabalho, levado a cabo no Gana e em Portugal, revela o circuito do vestuário que depositamos para caridade. A transação de roupa que o Ocidente deita fora tem muito para desvendar. Paulo Cepa (repórter de imagem), Luís Gonçalves (editor de imagem), Pedro Morais (grafismo), Diana Matias e Ângela Rosa (produção editorial) integraram a equipa de reportagem.
- Gazeta de Imprensa – Miguel Carvalho e Pedro Caldeira Rodrigues, ex aequo. O primeiro assinou na revista Visão uma corajosa reportagem – “O braço armado do Chega”, publicada em 17 de novembro de 2022 – sobre a militância de profissionais da PSP e da GNR no partido, legalmente proibida. Pedro Caldeira Rodrigues, da Agência Lusa, é autor de um conjunto de reportagens sob o título genérico “Chove em Kiev”, sendo as primeiras anteriores à invasão russa, fundamentais para contextualizar a situação e compreender a natureza do conflito.
- Gazeta de Rádio – Paula Borges, por “Na arte de resistir – Somos Moçambique”, reportagem emitida pela RDP África a 2 e 4 de novembro de 2022, centrada na identificação das soluções para a recuperação de zonas afetadas por catástrofes naturais e conflitos. Da equipa, que visitou várias regiões do país, fizeram também parte o jornalista moçambicano Orfeu de Sá Lisboa e o sonorizador Paulo Cavaco.
- Gazeta de Multimédia – Inês Rocha, autora de “Quis saber se o RGPD funciona. Então, fiz ‘download’ da minha vida”, trabalho publicado pela Rádio Renascença em 19 de abril de 2022. “Onde andam os nossos dados? Que dados as empresas guardam sobre nós? Até onde nos leva a nossa pegada digital?” – eis as questões suscitadas na investigação, que implicou o contacto com mais de 70 entidades.
- Gazeta de Fotografia – João Porfírio, do Observador, pelo conjunto de imagens enquadradas na reportagem “Ucrânia – Os primeiros 75 dias de guerra”, divulgadas entre 24 de fevereiro e 13 de junho de 2022, acompanhando a par e passo a fase inicial do conflito bélico com a Rússia, ainda em curso.
- Gazeta Revelação – Daniel Dias, autor do texto da reportagem “Há caçadores de água da neblina que querem criar novas florestas em Portugal”, publicado a 10 de novembro de 2022 no Público, sobre um projeto ibérico centrado na recuperação de territórios afetados por incêndios, que está a ser desenvolvido em Carregal do Sal. A fotografia e o vídeo são da autoria de Tiago Bernardo Lopes.
- Gazeta de Imprensa Regional, atribuído pela Direção do Clube de Jornalistas – Mensageiro de Bragança, semanário diocesano regionalista fundado em 1 de janeiro de 1940, que se institui como veículo de ligação à comunidade transmontana residente na cidade, noutras zonas do país e no estrangeiro.
O Júri dos Prémios Gazeta 2022 teve a seguinte composição: Eugénio Alves (CJ), que presidiu, Cesário Borga (CJ), Eva Henningsen (Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal), Elizabete Caramelo (professora universitária), Fernando Cascais (professor universitário e formador do Cenjor), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e televisão), José Rebelo (professor emérito do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa), Inácio Ludgero (fotojornalista), Dina Soares (Jornalista) e Paulo Martins (jornalista e professor universitário).
Mário Zambujal | “Fui sempre um desalinhado”
Na hora da passagem do testemunho, após 14 anos na presidência do Clube de Jornalistas, Mário Zambujal percorre, numa roda de amigos, a sua longa carreira. Sempre com humor, conta um par de histórias fantásticas. Se fosse, hoje, jovem jornalista, gostaria de escrever crónicas. Testemunho de um desalinhado – “não significa que não seja nem carne, nem peixe”, alerta – atento às mudanças. Que sempre soube ser conciliador e pensar a frio.
Entrevista de Eugénio Alves, Maria Flor Pedroso e Paulo Martins
Paulo Martins (PM) – Começaste a carreira n’A Bola. Nunca escondeste a tua preferência clubística. Como gerias isso, num mundo em que os jornalistas nem sempre têm essa atitude.
Mário Zambujal (MZ) – Nunca me senti inclinado a forçar a realidade que eu via. Ainda hoje vejo o futebol com grande… Não é desprendimento… Posso ver com interesse o que se está a passar, mas não vibro ao ponto de, na posição de jornalista, me inclinar para um lado ou para o outro, consoante as minhas preferências. Nunca!
PM – Como é que isso era percecionado? Muitas vezes, os jornalistas dizem: não vou assumir a minha preferência clubística ou política. Mas têm-nas.
MZ – A certa altura, estava à frente do Sporting o Jorge Gonçalves, que resolveu levar a equipa à terra dele, perto de Chaves. E quis que eu fosse. Disse-lhe: “Não sou do Sporting”, mas ele insistiu muito eu fui. Pelo caminho, estavam vários núcleos de sportinguistas à espera da camioneta. Vinham ter comigo: “Já sabia que você era dos nossos”. E eu: “Não sou”. Uma vez, apanhei uma grande ripada no Jornal do Benfica. Mas não tenho grande passado como jornalista desportivo…
Maria Flor Pedroso (MFL) – Como não? Era a cara do [programa da RTP] Domingo Desportivo!
MZ – Era o condutor do programa. Não era comentador de jogos. N’A Bola, ainda fiz alguns, mas não muitos. Não me deixei nunca impressionar. Queria era fazer bem – “a ver se eles gostam do que eu faço” – porque era o mais novo da redação. Era uma questão de brio profissional, acima de qualquer outro interesse.
PM – Ainda passaste pelo Mundo Desportivo (MD), pelo Record…
No Mundo Desportivo (MD), seis meses. No Record, seis meses.
MFL – Porquê? Chateava-se ou era despedido?
MZ – Nunca me chateei, nunca ninguém me despediu.
Eugénio Alves (EA) – Cansava-se.
MZ – [A passagem por esses jornais] preenchia os espaços de ligação com o outro jornalismo. Quando saí d’O Século – era chefe de redação, o lugar mais importante da Imprensa portuguesa – convidaram-me para diretor do MD. Depois, dá-se aquele extraordinário acontecimento do 25 de Novembro e sai muita gente. O Vítor da Cunha Rêgo foi para diretor do Diário de Notícias (DN) – com o Silva Costa, que foi presidente do Clube de Jornalistas – e eu estava no andar de baixo, como diretor do MD, com um contrato que especificava: subchefe de redação do DN em comissão de serviço como diretor do MD. Quando saí do DN, fui fazer o Se7e. Fui o primeiro diretor – nunca tinha começado um jornal do número 1 – a convite do José Carlos de Vasconcelos e da malta d’O Jornal, em que fiquei como redator.
PM – Deixa-me ir um pouco atrás, ao impacto da Censura num jornal como O Século. Sentiste-o bastante? O chefe de redação era decisivo no contacto com os censores.
MZ – Tinha um telefone direto para a Censura. Havia aquelas queixas naturais: “Cortaram-me isto aqui! Não faz sentido nenhum, nem sequer do vosso ponto de vista, quanto mais para o meu!”. Tínhamos este choque permanente. Sempre vi a Censura com três graus de rigor – ou de permissão. Havia jornais em que eles não permitiam quase nada. O DN, da Portugal e Colónias, estava controlado. O Século podia ter um bocadinho mais de tolerância. O Diário de Lisboa (DL) também.
EA – O DL tinha mais tolerância?
MZ – Mais do que O Século. Nem se compara! Quando conseguimos meter n’O Século o Augusto Abelaira – tinha um retângulozinho na primeira página –foi uma conquista. O Século teve alguma conquistas, mas o Lisboa tinha mais.
PM – A Censura era mais tolerante com o DL do que com O Século?
MZ – Sim.
EA – Naquelas reportagens que o grande repórter Mário Zambujal fez [para o DL] na União Soviética, quando foi acompanhar o Benfica – ou a seleção, já não me lembro – a Censura não deu uma grande poda?
MZ – Deu. Eu não disse que não havia censura ao DL. Era considerado o jornal de uma certa esquerda.
MFL – Do reviralho…
EA – Do reviralho era o República.
MZ – E o DL um bocadinho. Tinha um passado, uma equipa…

MFL – Voltemos aos três níveis de permissão.
MZ – O Século tinha um nadinha menos de rigor (no sentido da ação da Censura) do que o DN.
EA – Dava muitas notícias da “província”, que não provocavam choques na capital. Era o jornal com mais informação, mais correspondentes no país.
MZ – Quando chegava, sentava-me – ainda não tínhamos feito nada – e havia três jornais: o dos correspondentes, milhares a despejar coisas; o das agências; e o que a malta ia fazendo. Tempos houve em que na Volta a Portugal em Bicicleta, alguém na redação controlava o mapa de Portugal. À medida que os ciclistas iam avançando, os correspondentes locais davam notícia do percurso: “Agora, passou aqui o 27…” Era feito assim, nem sequer havia enviado especial. E aquilo batia certo. Claro que hoje nos rimos disso. Mas há coisas que eram bons exemplos de organização. Por exemplo: o que recebiam os correspondentes, que eram as pessoas ilustres da terra? O jornal de borla. Havia cerca de 3000. Também não é preciso, porque as comunicações são diferentes. Isso leva-nos à vida do Clube. O Clube vai sendo conduzido conforme as épocas. Há 30 anos, já existia. Não havia redes sociais, nem telemóveis.
MFP – Para os jornalistas, foi a primeira rede social?
MZ – De certo modo, foi. Conduzir este Clube tinha a ver com o meio em que estávamos. Agora, o meio não é tão associativista como era nesse tempo; as pessoas estão mais dispersas, mais separadas. Fazem muito mais contactos pelas redes sociais.
PM – Preocupa-te esse isolamento, o facto de as pessoas estarem viradas para um computador, em vez de contactarem umas com as outras?
MZ – É a desumanização. As pessoas dizem: “Conhecemo-nos bem, já falámos pelo Facebook, mas nunca nos vimos”.
PM – Viveste um tempo em que havia uma “rede territorial”, o Bairro Alto. Saías da redação às 2 ou 3 da manhã.
MZ – Tenho duas fases de Bairro Alto: o DL, onde entrava às 8-8 e meia da manhã e saía às 10 da tarde; e O Século ou A Bola, matutinos, de onde saía às 3-4 da manhã, a hora a que fechavam. O chefe de redação tinha de lá estar o tempo todo. Trabalhava todos os dias 12 horas. Os meus dois subchefes de redação, Hernâni Santos e Silva Pinto, trabalhavam diz sim, dia não, 12 horas. Eram bons tipos e chegavam sempre frescos. Quem trabalha dia sim, dia não, está sempre fresco.
PM – Como conseguiste passar pelo conflito de 1974-1975 n’O Século sem estar de um lado contra o outro? É mesmo a tua maneira de ser?
MZ – Estar de um lado já significa estar do lado da desunião. A minha preocupação era unir – chamá-los todos à minha razão, que era O Século apanhar a horas o comboio para seguir para o Norte. A minha luta era essa. Quando perdêssemos isso de vista, em guerras ou guerrinhas às vezes completamente estúpidas, já não havia jornal no Norte – ou chegava na tarde do dia seguinte. Esse lado profissional era fundamental. Quando esquecemos estas pequenas coisas, que parecem secundárias, porque há grandes ideologias, grandes lutas… Temos todos de ceder alguma coisa para o jornal sair.
EA – Houve um momento nessa experiência de O Século em que puseste os pés à parede, juntaste o pessoal e ordem na casa. Conta lá.
MZ – Era um tempo muito difícil para as pessoas estarem dissociadas do seu pensamento político.
PM – Não era possível a neutralidade, é isso que dizes?
MZ – Um tipo não é neutral! Pessoalmente, individualmente, eu não era neutral. Mas enquanto responsável pela edição do jornal, esse era a única parte que me agarrava. Eram tempos muito agitados. Fizeram-se muitos disparates, de parte a parte. Um dia, já em 1976, estava na praia a apanhar e um tipo que tinha sido um dos jornalistas d’O Século mais ativos nas lutas disse-me: “O chefe é que tinha razão; isto deu raia!”. Para mim, teria sido muito mais cómodo alinhar com uns ou com outros. Mas fui sempre um desalinhado – profissionalmente, é claro. Sou muito rigoroso; tenho a escola do Le Monde: notícias são factos puros e duros, a opinião é livre e normalmente assinada. Ser desalinhado não significa que não seja nem carne, nem peixe, porque como cidadão sou um homem de Esquerda. Nunca me filiei num partido. Dou a importância que dou aos políticos, que têm importância porque gerem o país. Acho que tenho uma certa qualidade de pensar a frio.
PM – Na altura, pensar a frio era uma grande virtude.
MZ – A seguir, que tempo veio? Um tempo em que teve de se pensar a frio. Era melhor ter pensado a frio antes, quando as coisas estavam muito quentes – algumas, porque isto não é assim tão linear. Houve coisas que se fizeram e disseram que não tinham sentido, do meu ponto de vista.
MFP – Dê lá um exemplo.
MZ – Eh, pá!
EA – Conta-nos histórias, Mário!
MZ – N’O Século – naquele casarão, com um salão de baile que dava para jogar hóquei em patins – faziam-se então grandes plenários. “Temos um plenário às 11 [da noite]”. E eu pergunto: “Quem vai?”. “Os trabalhadores!”. “Os trabalhadores têm de estar a trabalhar! Se houver um plenário às 2 da manhã, eu estou lá. Mas não vou largar o trabalho às 11 da noite. Nem eu, nem os que têm consciência de que são trabalhadores”. A coisa caiu mal… A minha responsabilidade era tanta! O diretor d’O Século era o Manuel Figueira, que tinha escrito discursos do Moreira Baptista, quando foi presidente da Câmara de Sintra.
PM – Era um homem do regime deposto, mas com quem tinhas boa relação.
MZ – Não só eu! O Urbano [Tavares Rodrigues], o Abelaira. Todos!
EA – Quando estive preso, defendeu-me. E disse-me que teria lugar no jornal, quando saísse, se houvesse problemas.
MZ – O Manuel Figueira era sagrado. Queres uma história, Eugénio? Há um jogo em Alvalade em que o Marcello Caetano é recebido como herói. Como a situação andava turva, o regime rejubilou.
MFP – Isso aconteceu quando?
MZ – Pouco antes do 25 de Abril. Às segundas-feiras, publicávamos sempre na primeira página uma fotografia a remeter para o suplemento desportivo. E o Manuel Figueira disse: “A fotografia de hoje é do presidente do Conselho em Alvalade”. Eu disse-lhe: “Ó Manel, o Nené marcou três golos!”. Claro que saíram duas fotografias, do Nené e do Marcello Caetano. Tenho muitas saudades d’O Século! E do DL também, onde a quase totalidade dos jornalistas era de esquerda, enquanto n’O Século havia tipos mais à direita e tipos mais à esquerda. Quando entrei para chefe de redação, o Manuel Figueira disse-me para fazer uma lista das pessoas que queria levar para o jornal – e ele também fez. Em ambas as listas o primeiro nome era o mesmo: Adelino Tavares da Silva.
MFP – Mulheres é que não estavam.
EA – Havia as da Modas & Bordados, que ele dirigiu.
MFP – Tem de contar essa história.
MZ – Uma vez [em 1975], sou chamado à administração, então presidida pelo dr. Francisco Sousa Tavares, pai do Miguel. Só fui chamado duas vezes. Uma, por causa dos vales à caixa do Adelino Tavares da Silva – ele cortou um. Disse-lhe: “Senhor dr., ele já ganhou este dinheiro. Estamos no dia 20 e ele só pediu dinheiro de dia 10 (risos) Nós é que somos durante 30 dias credores da empresa!”. Ele cedeu. Da outra vez, foi porque as senhoras da Modas & Bordados – a [Maria Antónia] Fiadeiro, a António de Sousa, a Susana Rute Vasques e as outras – que sanearam a diretora. Eu tentei explicar-lhes que sanear é tornar são. Pode-se sanear o lugar, mas não a pessoa. Se fulano foi saneado, quer dizer que ficou bom. O Sousa Tavares disse-me que elas só faziam a revista se eu fosse para diretor, que era a única maneira de unir. Fiquei diretor interino, com duas condições: nunca ir à redação e mudar o título da revista, passando a chamar-se Mulher, tendo por baixo a referência Modas & Bordados para manter a ligação com o passado. Assim foi. Depois, disse que queria outra coisa: ir a Évora convidar a dra. Maria Lamas, que inventou a revista e foi uma grande combatente contra o regime, para diretora honorária. Meti a redação toda no meu carro e fomos a Évora.
MFP – Cinco mulheres faziam a revista inteira!
MZ – Tínhamos outras mulheres no conjunto das empresas: a Diana Andringa, a Maria Antónia Palla…
MFP – “Gosto do funcionamento da cabeça de uma mulher” – disse isto ao Expresso em 2009. Foi a primeira vez que encontrei um homem a dizê-lo. Quero saber o que o Mário quer dizer.
MZ – Acho que as mulheres têm outro modo de ver as coisas, alguma argúcia. E fazem um esforço mental que o homem não tem de fazer. Isto era mais antigamente, porque a mulher não era concorrencial e agora é. Veja-se a quantidade de mulheres que ocupam hoje lugares relevantes. Já há mais juízas do que juízes, o que era impensável. Em tempos, fui à TVI. Entrei na redação e só havia um homem. Até disse: “Quando quiseres ir embora, dá-me o teu lugar”. Sempre achei que as mulheres têm uma forma peculiar de olhar as coisas, que lhe advém da sua milenar subalternidade. Aprenderam a jogar judo em vez de boxe, para dar a volta aos homens. Nos meus livros – não escrevo livros, escrevo histórias – abordo sempre o conflito ou a aproximação homem-mulher, uma coisa de todos os tempos. Os marialvas, os engatatões, as conquistadoras… É um tema inesgotável na história da humanidade… (pausa) Agora, esqueci-me do que ia dizer. Isto acontece-me a mim, um rapaz de 85 anos. O que não quero é ficar de mal comigo mesmo por uma coisa que disse e agora rejeito. Digo que gosto muito da noite. À noite, não há moscas. E não há relógios. Ninguém diz às duas horas da noite: “Tenho de me ir embora, porque tenho uma reunião”.
MFP – Hoje, para saber o que se passa no mundo, o que lê, o que ouve, o que vê?
MZ – Leio menos do que seria pressuposto. Vejo mais televisão do que gostaria de ver, porque é uma coisa passiva. Gosto de filmes, de ver futebol, de ouvir música, de rádio.
MFP – Para saber o que se passa no mundo, é através da televisão?
MZ – E dos jornais em papel, que tenho muita pena de estarem ameaçados de extinção, porque faz parte da minha maneira de ser tomar o pequeno-almoço e ler o jornal, pela manhã.

MFP – Se fosse jornalista no ativo, onde se via a trabalhar, a contar que histórias?
MZ – Teria de ter em conta que não tenho nenhum domínio das tecnologias. O que posso é ter ideias sobre como fazer as coisas. Posso ser crítico, negativa ou positivamente, de uma entrevista ou um debate. É a minha sensibilidade, a minha maneira de ver, que corresponde ao que seria a minha maneira de trabalhar.
MFP – Foi muitas vezes chefe. O que mandaria fazer hoje, o que acha que faz falta?
MZ – Tenho a sensação de que o jornal não pode ser a ata do dia – aconteceu isto, está aqui. Tem de se antecipar e ter uma visão mais alargada sobre os dias que vêm aí. Uma vez, fiz um programa na televisão que se chamava “A semana que vem”. No dia 22, fazíamos uma peça, diferente, sobre o que se iria passar no dia 27. Era uma antecipação, mas também com intenção de perceber, quando chegasse o dia, se corria tudo como planeado.
MFP – O que gostaria hoje de fazer se fosse hoje um jovem jornalista?
MZ – Crónicas. Um jornal tem o seu livro de estilo, comum à redação. A crónica representa o individualismo. No Le Monde de que eu gostava, era o espaço assinado. No noticiário, parecia tudo escrito pela mesma pessoa; não havia juízos de valor, nem adjetivos. Mas naquele quadradinho havia um gajo que podia mandar vir. E sabia-se quem era o responsável.
MFP – Era o que gostaria, de fazer uma crónica para mandar vir? A crónica podia chamar-se “mandar vir”.
MZ – Podia ser.
EA – Há 40 anos, o Nobel da Literatura foi atribuído a um grande jornalista, que numa entrevista em Lisboa disse que usaria o dinheiro do prémio para fazer um jornal, a que chamaria “El otro”. Ou seja: um jornal diferente, que teria de ter histórias; não podia dar só notícias. Era o Gabriel García-Márquez.
MZ – Eu, antes de saber escrever uma notícia, já tinha escrito muitas histórias. Histórias da vida, das pessoas. Aqui está uma coisa que não aconteceu, mas poderia ter acontecido.
MFP – Se estivesse no ativo, por quem gostaria de ser chefiado?
MZ – Dos atuais?
MFP – Ou não gostaria de ser chefiado?
EA – Ele sentiu-se muito bem na Modas e Bordados…
MFP – Pois, não fez nada! Não ia lá, pôs uma mulher a chefiar.
MZ – Há jornalistas que sempre admirei. O Baptista-Bastos era fantástico, mas acho que não seria bom chefe. Uma vez, o Ruella Ramos, no DL, onde eu era subchefe, disse-me que era bom demais para chefiar, que ser tolerante demais. Há quem diga: “Bolas, o gajo quando se chateia é o diabo!”, porque também sou muito tenaz na defesa dos meus princípios, das minhas opiniões. Não cedo facilmente.
EA – Sou testemunha disso. Então quando se trata do Benfica… (risos)
MZ – Lá ‘tá ele com o Benfica! Voltando à chefia. Parto sempre do princípio: este tipo está a dizer o contrário do que eu penso, não terá ele alguma razão? Tenho de analisar as coisas. Nunca tive problemas em dizer: “se calhar tens razão. Ou tens quase meia razão, porque a maioria da razão é minha”. Acusavam-me de ser demasiado conciliador e é verdade. Se o trabalho é conjunto, é preciso procurar uma conciliação. O Cunha Rego, no DN, disse uma vez que eu era um daqueles gajos que, quando há um incêndio e está toda a gente de cabeça perdida, pergunta “onde está a chave da porta, para sairmos daqui?”. Eu procurava a chave. Não digo isto por achar que sou bestial. Continuo a ser um conciliador. Tive com certeza discordâncias e pequenos conflitos.
EA – Um dia, fiz no DL uma crónica de um jogo Portugal-Suécia de basquetebol feminino. As nossas levaram uma banhada! Escrevi uma crónica engraçada, em que falava das mãos esticadas das suecas altíssimas. O Mário, com ar de califa de Bagdad, entra na sala com o Assis Pacheco e diz: “Que crónica engraçada, muito bem! E, já agora, qual foi o resultado do jogo?” (risos) Isto é o Mário! Se fosse outro, diria: “que merda é esta?”.
MFP – Lembras-te do resultado, claro.
EA – Não me lembro nada! Era para aí uma diferença de 50 pontos!
MZ – Era secundário, porque o que estava em causa era a diferença do jogo.
PM – Fake news também existiam no teu tempo, Mário. Mas desinformação organizada, com fins políticos, não. Como vês este fenómeno?
MZ – Vejo com preocupação alguém estar constantemente a tentar enganar-me e a tentar enganar os outros. É preocupante e desgostante. O que é necessário para um tipo se portar como um ser humano decente, no sentido da cidadania? É miserável! Eu seria incapaz de escrever uma mentira para enganar alguém. Faz-me impressão como é possível! Mas sei que atravessamos uma fase da nossa existência coletiva na qual acontecem muitos atropelos ao que deveria ser um comportamento normal entre as pessoas.
PM – Como é que os jornalistas se podem defender disso? Hoje, qualquer pessoa pode produzir informação e distribuí-la.
MZ – Denunciando e contrapondo a verdade do jornalista, que tem a responsabilidade de ser um comunicador para a sociedade. Bem sei que é muito mais difícil ser jornalista hoje. Há pessoas que dizem “eu sei tudo, leio o Facebook todo”.
PM – Dantes, dizia-se: li n’O Século ou no DN, agora é li na internet.
MZ – E até, muitas vezes, se identificava o autor. No meu tempo do DL, havia tipos que compravam o DN e diziam “Dá-me aí o [Mário] Castrim” – era o que queriam ler. Esta capacidade do cronista individual de ser um trunfo é uma coisa que os jornais terão de refinar. Há nomes na nossa sociedade de comunicação que vendem.
EA – Agora, as notícias são ultrapassadas numa hora. A opinião, quando é de qualidade, marca a diferença.
MFP – O que é que os jornalistas hoje estão a falhar, em que é que não pensam?
MZ – Dá-me a sensação de que andam um bocado desorientados. São as redes sociais, é o patronato, são os salários, a quebra de tiragens – e os jornalistas perdem força. Quando o chefe diz que estamos a vender cada vez menos, está tudo estragado. As televisões, quase sem exceção, estão a enveredar por uma coisa que antigamente era uma raridade, o crime. Hoje em dia, de 10 em 10 minutos estamos a ver um crime na televisão.
MFP – Porquê?
MZ – Porque o respeitável público quer isso, gosta disso. Por algum motivo se imitam umas às outras no noticiário do crime. É o que vende. São histórias. E, depois, há o dramático das coisas.
MFP – A história do Alec Baldwin, ator norte-americano que matou a diretora de fotografia porque a arma de cena estava carregada. É uma história que não se acredita…
MZ – É uma história de ficção que na vida real acontece, às vezes. A pesquisa jornalística pelo dia a dia – como vivem as pessoas, como se matam – leva a revoluções no ato de informar. Os ouvintes, os leitores, os espetadores, gostam de histórias.
EA – O crime dá sempre histórias.
PM – Vamos falar do Clube de Jornalistas?
EA – A história do Clube é uma boa história. O Mário foi sempre pouco atreito a instituições. A instituição dele era o jornal e o Tamila.
MZ – Eu era muito amigo do Júlio Matos Moura, o “Juquinha”, primeiro empresário da Amália e treinador de andebol do Sporting. Levava a equipa a beber um copo no Tamila. Uma vez por outra vi lá mulheres… Não que eu me impressionasse com isso! (risos) Dizia sempre aos meus repórteres: um gajo tem de ir preparado para um incêndio no bairro das barracas ou para um banquete no palácio de Queluz. Tem de ser capaz de se desenrascar e adaptar-se a todos os ambientes, para os contar e descrever. A noite de Lisboa era o que era. Havia meia dúzia de boîtes e bares. Os encontros da malta noctívaga que, como eu, saíam desgraçadamente tarde do trabalho e queriam ir jantar às duas ou três da noite. As casas que para uns eram um lugar de festa, para mim era um lugar de me ir alimentar, coitadinho, comer um bifinho… (risos).
EA – O que eu estava a dizer é que com o Mário era mais de um barzinho. Mas com o tempo, com a idade e como já estava um bocado empatado da vida…
MFP – Empatado?
MZ – Sim, criámos uma tertúlia, a que demos o nome de “Os Empatados da Vida”, porque achámos que era excessivo sermos os vencedores.
MFP – Era o Mário e mais quem?
MZ – O Eugénio Alves, o Baptista Bastos, o Mário Ventura, o António Borges Coelho, o Vítor Bandarra, o José Manuel Saraiva.
MFP – Só homens…
EA – Mas convidávamos sempre mulheres. Nós estávamos empatados e as mulheres desempatam. Foi para aí em 1999 que a tertúlia começou.
MFP – O que faziam os “empatados”?
MZ – Falávamos do dia-a-dia, de livros e do “então, já sabes?”, um caso do dia que dava conversa. Ouvíamos o Baptista Bastos, com os seus amores e desamores. Falávamos muito do passado. Eu, agora, acho inútil muitas vezes falar do passado. É um dos sintomas de da idade: temos muito para dizer, mas do que ficou para trás. Na maior parte das vezes, não é uma recordação proveitosa… Não posso dizer que os jornalistas não convivem tanto como no meu tempo. Não sou testemunha do que se passa agora.
PM – Mas sentes que há menos debate nas redações?
MZ – Sim. Tenho a sensação de que agora os jornalistas estão à espera da hora de saída – e se calhar com razão, porque já estiveram a ser violentados com trabalho duro. E há outra coisa: dantes, era raro o jornalista que tinha carro. De maneira que às vezes ficavam no jornal mais tempo, a fazer sala à espera de transporte.
PM – Isso criava laços para além do profissional.
MZ – Companheirismo, sobretudo companheirismo. Convivi com pessoas que iam desde o marcelismo até uma esquerda mais avançada, muito avançada.
MFP – Esquerda avançada. Isso é linguagem futebolística.
MZ – Na RTP, no Lumiar, havia umas mesas muito compridas onde a malta ia almoçar. Às vezes, ficavam os piores adversários lado a lado, porque era ali que havia lugar para se sentarem. O convívio era muito importante.
EA – Aquelas histórias que nós fizemos no “Diário de Lisboa” ao Sttau Monteiro e até ao almirante Pinheiro de Azevedo…
MZ – Diverti-me muito com o Sttau Monteiro. A certa altura, éramos só os dois a fazer o suplemento semanal “A Mosca”. Um dia, fomos convidados para ir à faculdade de Letras ou de Direito. “Até que enfim que alguém reconhece o que fazemos, pá!” E fomos. Apanhámos um arraial de porrada. Chamaram-nos tudo: colaboracionistas, tipos feitos com o regime, porque parecia que o país estava bem e estava péssimo. Disseram que o país era altamente de direita e o que nós fazíamos era distrair as pessoas, com graçolas.
EA – A tertúlia, que durou bastantes anos, criou amizades.
MZ – Também fazia parte o João Paulo Guerra.
EA – Era um grupo espantoso! Eu andava com o Clube às costas há muitos anos e comecei a namorá-lo. A situação financeira estava boa, o que para ele foi fundamental. A primeira vez que o Cavaco Silva veio ao Clube, ainda eu era presidente e aproveitei para lhe dizer que o Mário é que ia aguentar este barco. Como são velhos conhecidos, do Algarve… O Mário assumiu a presidência do Clube com paixão.
MZ – Um tipo marca, pela sua personalidade, aquilo que está a conduzir, em que tem responsabilidade. Admito perfeitamente que digam que, nestes anos, o Clube foi… não digo passivo, mas que não criou coisas novas. Eu tinha a mania das contas certas, não é? E perante algumas ideias que apareceram, perguntava: “quanto é que custa? Quem é que paga?”
MFP – Agora vou ser eu a fazer essa pergunta.
EA – Foi numa fase a situação da classe estava a deteriorar-se. As redações saíram da cidade…
PM – E manter os projetos já foi uma grande vitória!
EA – O trabalho está cada vez mais precarizado e pior remunerado. Manter o Clube – revista, site, prémios – com todas estas dificuldades e neste contexto é uma obra meritória.
MZ – É óbvio que o Clube não se pode alhear da situação atual do jornalismo e dos jornalistas. A revista cumpre plenamente esse papel. Não se pode ser Clube de Jornalistas e viver à margem da classe, como um escol, uns iluminados. Os Prémios Gazeta, ao receberem a diversidade de trabalhos que recebem, contribuem para a ligação à classe. Às vezes, diz-se Clube dos Jornalistas, mas não é. É de jornalistas. Não estão cá todos, mas todos podem concorrer aos prémios, mesmo os não sócios. Quanto ao futuro, precisamos de ter mais atividades e iniciativas e, sobretudo, temos de conseguir ser mais financiados. É um trabalho delicado, cativar a classe, para dizer que o Clube é deles e pode ser mais deles se se associarem. A quota é simbólica – tão barata que vem do século XIX, sei lá… Mas pertencer ao Clube deve dar prazer. Prazer é a palavra.
Abertas as candidaturas à 3.ª edição do Prémio Jornalismo de Excelência Vicente Jorge Silva
De 08 de novembro a 31 de dezembro, estão abertas as candidaturas ao Prémio Jornalismo de Excelência Vicente Jorge Silva, que tem como principal objetivo a distinção de trabalhos que reforcem os diferentes estilos jornalísticos da imprensa escrita, seja através da investigação, da reportagem ou da análise, contribuindo para uma sociedade mais informada.
Instituído em 2020 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM), em parceria com o Clube de Jornalistas, o Prémio atribui anualmente uma bolsa para a investigação jornalística no valor de 5.000€ e ambiciona, através deste contributo, reconhecer, homenagear e perpetuar a figura marcante do jornalismo em Portugal que foi a de Vicente Jorge Silva.
Podem candidatar-se ao prémio jornalistas de qualquer nacionalidade, titulares de carteira profissional, de cartão equiparado a jornalista, de cartão de correspondente estrangeiro ou de título provisório de estagiário, que tenham publicado ou difundido trabalhos jornalísticos em órgãos de comunicação social portugueses, em 2022.
As candidaturas fazem-se exclusivamente online e devem ser submetidas através do preenchimento do formulário disponível em premiovicentejorgesilva.pt
Na edição deste ano o júri é composto pelos jornalistas Nicolau Santos (RTP), que o preside, David Pontes (Público), João Vieira Pereira (Expresso), Luísa Meireles (Lusa) e Francisco Belard (Clube de Jornalistas).
De recordar que a 1.ª edição deste Prémio premiou a jornalista Isabel Lucas, que assinou o trabalho “Estados Unidos da América, crónica de uma (des)união”, e a 2.ª edição distinguiu o trabalho “Por ti, Portugal, eu juro!”, da autoria de Sofia da Palma Rodrigues, Diogo Cardoso e Luciana Maruta, publicado na Divergente.
Os repórteres da viagem de 1922
Gonçalo Pereira Rosa Texto
Luís Taklim Ilustração
Fotografias: Cortesia do Museu de Marinha
No centenário da grande viagem aérea de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, recordamos os dois repórteres que a documentaram. Se Sacadura fez de Álvares Cabral, Norberto Lopes e Tomás Colaço replicaram Pêro Vaz de Caminha.
A celebridade, no jornalismo, tem muitas roupas. Pode resultar da longevidade de uma carreira ou da versatilidade do profissional, capaz de abordar mais do que um género com a mesma centelha de génio. Às vezes, porém, provém somente da oportunidade proporcionada pelo acaso de estar no sítio certo no momento fatal. Já Napoleão dizia que a sorte ocorre quando a preparação conflui com a oportunidade.
Perdido numa ilha remota em forma de sapato (Fernando de Noronha), Norberto Lopes nem quer acreditar na sua sorte. Desesperado pela falta de notícias dos dois aviadores que se tinham tornado amigos, pega no auscultador telefónico do posto policial da Praia de Santo António e, antes de fazer a ligação, sente os sinais Morse da telegrafia sem fios. Por indução eléctrica, o telefone recolhia os sinais que se destinavam à antena da telegrafia sem fios e, portanto, ao oficial mais graduado daquele posto remoto.
Sem perder tempo, passa o auscultador a um mecânico, para que este registe a mensagem. De clique em clique, o mecânico aponta tudo. Lido o texto, instala-se o desânimo: a mensagem provém do cruzador República, informando que a busca nocturna fora infrutífera. Não se detectam quaisquer sinais dos aviadores náufragos. São 22 horas no Brasil do dia 18 de Maio de 1922, a noite mais longa da história da aviação portuguesa. A viagem aérea parece redundar num fracasso. E Norberto Lopes é o único jornalista que possui essa informação.
CAMPANHA IMPROVISADA
Do ponto de vista propagandístico, a viagem aérea de Sacadura Cabral e Gago Coutinho (que completa este ano o primeiro centenário) começou por ser um fiasco. Ideia germinada no cérebro de Sacadura em 1919, logo após o primeiro-tenente Read chegar à doca do Bom Sucesso, completando a primeira travessia do Atlântico, demorou três anos a sistematizar. Foi necessário persuadir ministros, comprar aeronaves, treinar tripulações, testar o método de orientação de Gago Coutinho. E resistir. Na Assembleia, em sessão de 29 de Março de 1922, o deputado Alberto Xavier questionara mesmo a oportunidade da aventura num momento de aperto orçamental. O arrojo era louvável – disse – mas o Governo perderia autoridade para exigir do país novos sacrifícios financeiros. Ripostou o deputado Joaquim Ribeiro: “Foi o que Dom Manuel disse a Vasco da Gama e ele foi à Índia”. E, em jeito teatral, o deputado Agatão Lança concluiu: “Por fatalidade e destino deste país, nas suas horas grandes, aparece sempre um velho do Restelo”. No momento da partida dos dois aviadores, no dia seguinte, “éramos poucos mais de cem a dizer-lhes adeus”, resumiu Norberto Lopes.
Não houvera visão para integrar jornalistas a bordo do República, o cruzador que repetia o trajecto por mar que os aviadores completavam pelo ar. O Governo destacara apenas um repórter – Paulo Freire – para acompanhar a tripulação da Marinha. Freire escrevia o resumo do dia, reproduzido por todos os jornais de Lisboa e do Porto. A situação não era claramente agradável para a competitiva imprensa portuguesa. Nas páginas do Diário de Lisboa, Norberto Araújo criticou a estratégia e acusou a cobertura do raid aéreo de ser feita a papel químico. Zangado, Freire respondeu de bordo, chamando-lhe vaidoso, miserável e “responsável pela quebra da linha fidalga do Diário de Lisboa”.
Entretanto, Sacadura e Coutinho completavam etapas, à medida que a meteorologia e a mecânica o permitiam. Ligaram Lisboa às Canárias, resolvendo ali um problema com um flutuador. Viajaram depois para Cabo Verde, onde descobriram com horror que a autonomia do hidroavião não correspondia ao réclame do fabricante. Passaram-se vários dias e o interesse pelo raid não esmorecia.
Por fim, Sacadura e Gago Coutinho iniciaram a etapa mais dura: a ligação entre Cabo Verde e os rochedos de São Pedro e Paulo. Era a máxima distância calculada para a autonomia do engenho. Completaram-na no limite, voando com vapores de combustível (“Lambidos, sem nada”, dirá Gago Coutinho aos jornalistas). À chegada aos penedos, já em território brasileiro, uma onda cortou o hidro-avião como uma lâmina de barbear. Os aviadores foram salvos, mas o engenho perdeu-se. E ainda faltava completar a ligação aérea ao continente sul-americano.
De Portugal e do Brasil, a proeza é saudada com fervor. O Atlântico Sul é vencido por dois aviadores latinos que provam, pela primeira vez, o acerto dos métodos de navegação e orientação aérea (os voos anteriores tinham usado navios no mar como bússolas de orientação). Com a pátria em êxtase e a Marinha aliviada por a “Noite Sangrenta” de Outubro de 1921 cair para um relativo esquecimento, criam-se condições para prosseguir viagem. O Lloyd brasileiro decide financiar uma segunda viagem, que transporte um novo Fairey 16 até aos Penedos. A Casa Pinto & Sotto Mayor, representante em Lisboa do Lloyd e proprietária do Diário de Lisboa, organiza a viagem. Desta vez, a propaganda não é descurada. A bordo do vapor Bagé, entram Tito Martins (de O Século), Edmundo de Oliveira (Diário de Notícias), Paulo Freire (A Imprensa da Manhã), Guedes de Amaral (Comércio do Porto), Norberto Lopes (Diário de Lisboa), Tomás Ribeiro Colaço (do jornal monárquico O Dia) e o fotógrafo Arnaldo Garcez.
O vapor vence as ondas e o entusiasmo a bordo reflecte a euforia da nação. O segundo hidro-avião, que parece “uma grande larva esfíngica”, na descrição de Colaço, aguarda a sua tarde de glória. No arquivo epistolar de Joaquim Manso, director e fundador do Diário de Lisboa, o autor deste artigo encontrou alguma correspondência remetida por Norberto Lopes para o jornal, começando por um curto postal enviado da Madeira no dia 28 de Abril: “Cá vamos periplando. Só hoje é que conseguimos cheirar terra. Isto promete”. Mais tarde, com as agruras da viagem, Norberto usará a mesma via para se queixar das parcas finanças e das exigências do serviço.

A comitiva chega por fim aos penedos. “Vistos assim, à distância, parecem dois dentes enormes de elefante, tendo ao centro uma elevação mais larga, semelhante ao dorso de um camelo”, regista Norberto, sempre teatral. “Dir-se-ia que a natureza se divertiu a erguer ali uma redução dos Pirenéus para as vagas do Atlântico poderem brincar às guerras com soldadinhos de espuma”, acrescenta Colaço. Os dois homens entendem-se a bordo. São bastante parecidos, apesar do feitio mais expansivo de Norberto, que o leva a apropriar-se da guitarra de bordo e a organizar serenatas nocturnas. Ambos trabalham para jornais de segunda linha, sem o fulgor e história de O Século ou do Diário de Notícias. Ambos fazem o tirocínio nos bancos da Faculdade de Direito, embora com sentidos inversos: depois desta aventura, Colaço dedicar-se-á à advocacia, ao passo que Norberto continuará a frequentar o curso até o terminar em 1927, mas mantendo sempre a chama jornalística. Mais importante: ambos têm uma ideia romântica da reportagem e do papel do jornalista.
EPIFANIA DE GAGO COUTINHO
Recomeçam os preparativos para prosseguir. Para não serem acusados de evitar qualquer segmento do trajecto, os aviadores decidem retomar a viagem no ponto exacto onde amararam. Gago Coutinho tem então a epifania que valerá a dois jornalistas o “furo” de uma vida: propõe que um repórter fique na ilha de Fernando de Noronha para assistir à partida do hidro-avião, recuperando mais tarde o seu lugar a bordo do Bagé. Dois braços levantam-se: Colaço e Norberto são voluntários, pois onde fica um, também ficam dois. São transportados para a ilha numa balsa que navega com o auxílio de um cabo amarrado ao navio.
Transmontano e homem do campo, Norberto parece mais preparado. Colaço, em contrapartida, admite o desconforto: “A minha figura, com anquinhas formidáveis, [tinha] um vago sabor de Maria Antonieta arrependida – arrependida… de ter umas calças brancas tão esquisitas e com joelheiras tão grandes”, escreve. Até os sapatos são desapropriados: “Os mesmos com que pisei, nessa remota Lisboa, alcatifas de salões acolhedores… Santo Deus! E era com eles que me preparava para trilhar as pedras rudes de Fernando de Noronha”. À distância, Norberto goza o prato: “O meu companheiro de naufrágio, louro como um jovem fidalgo escocês, dir-se-ia o príncipe encantado de Fernando de Noronha, o Robinson Crusoé desta ilha onde os dois naufragámos no ano da graça de 1922”. Acompanham-nos, para já, os dois aviadores, enquanto prosseguem os preparativos para a última etapa.
A ilha é também uma colónia penal sem grades. Basta o isolamento, o calor e a malária para conter os reclusos. Norberto regista que os presidiários se afeiçoam de imediato ao almirante. Acham-lhe graça: “Qui velhinho mais dánado”, diz um. O trabalho jornalístico, porém, sofre. Na ilha, há apenas um posto de TSF e o cabo submarino. São recursos lentos e caros. E o oficial guarda segredo das comunicações com o República. Mesmo assim, os dois jornalistas preenchem páginas notáveis de reportagem todos os dias, alheios ao que se passa no mundo.
No isolamento insular, desconhece-se certamente que o Diário de Lisboa atravessa a sua primeira grande crise precisamente entre Março e Abril de 1922. Uma polémica furiosa com Simão Laboreiro, director de O Tempo, jornalista republicano convertido à monarquia, atirara o nome do jornal, de Joaquim Manso e dos dois banqueiros Vieira Pinto para a lama. Laboreiro acusara o DL de fazer o jogo dos banqueiros que, por sua vez, deviam ao Governo a sua prosperidade. Não poupa ninguém. Consiglieri Sá Pereira, jovem jornalista e filho de um deputado, é tratado por “papo-seco que arranjou uma gabardine e fez-se jornalista. Pretende ser bolchevista científico [sic]. É bêbedo e sobretudo parvo”. Os irmãos Vieira Pinto constituem “a quadrilha”. Manso é mesmo acusado de ser “um padre renegado” – uma alusão à formação teológica do jornalista. A controvérsia demora um mês, com processos cruzados em tribunal e um pedido de duelo que Manso recusa, por ser avesso a “essa prática medieval”. O dinheiro dos banqueiros acaba por silenciar O Tempo, mas, ao mesmo tempo que os aviadores se consagram no Atlântico Sul, Manso é admitido numa casa de repouso com um princípio de esgotamento.
TRAGÉDIA ANUNCIADA
Alheios a tudo isso, os jornalistas preparam-se para o grande dia. Assistem, numa plateia improvisada, à partida dos dois aviadores. O avião falha uma primeira tentativa de descolagem, premonitória do que seguirá, mas depois ergue-se e desaparece no horizonte. Os jornalistas ficam na ilha, aguardando novidades.
Passadas algumas horas, não há comunicação com o hidro-avião. Aos poucos, todos os marinheiros e jornalistas envolvidos começam a sentir que algo terrivelmente errado está em curso. Ninguém avistou o engenho aéreo nos pontos previstos. O República e o destroyer Pará iniciam buscas pelas áreas onde o hidro-avião poderá ter amarado de emergência, mas o oceano é extenso e a impressão deixada pela primeira amaragem forçada foi traumática: o engenho aéreo não foi feito para flutuar.
Na ilha, Norberto e Colaço pedem pormenores, mas os oficiais de Marinha e da colónia penal não os dão. Ocorre então o episódio do telefone e Norberto, inadvertidamente, pensa que os aviadores estão perdidos. Remete um cabograma dramático para a redacção de Lisboa, que só chegará às 9 horas da manhã seguinte. É um caso clássico de um repórter com um exclusivo, mas impossibilitado de o transmitir a tempo. O cabograma chegará às mãos de Joaquim Manso já depois de este saber, pela central telegráfica, que um vapor inglês encontrou os náufragos sãos e salvos. O “exclusivo” tem afinal pouca importância, mas, à boa maneira teatral, Norberto transformá-lo-á numa grande proeza.
A saga dos aviadores perdidos por uma noite no mar transmite uma derradeira nota de heroísmo à proeza. Colaço e Norberto documentarão o resto da viagem e a recepção apoteótica dos aviadores nas várias cidades brasileiras visitadas. Coutinho e Sacadura concedem-lhes entrevistas exclusivas e emocionantes. Norberto dirá de Coutinho que é uma “figura pergaminhada, arrancada a um painel de Nuno Gonçalves, devoto fervoroso da religião do ar, da luz, do Sol”. Sacadura, por sua vez, é “o mais duro dos pilotos”.
Ambos recolhem notas exclusivas para os livros que escreverão em breve. Colaço, ainda em 1922, publica as crónicas da viagem em “Sobre o Atlântico”, com prefácio de Gago Coutinho. De Norberto Lopes, sai, no ano seguinte, “Cruzeiro do Sul” (sem prefácio). A máquina do Diário de Lisboa, porém, vai limpando Colaço do cenário: ainda durante a viagem, um editorial mencionara que o periódico era o único jornal representado na ilha – corrige o tiro no dia seguinte, embora lembrando que O Dia não era bem uma folha de massas. Nos anos seguintes, sempre que lembrarem a campanha, o jornal e o repórter referem-se-lhe como proezas solitárias.
CARTAS TROCADAS
Como o baú de Fernando Pessoa, guardado durante décadas em parte por prudência e em parte por desconhecimento da importância do espólio, há um conjunto alargado de documentos que lançam nova luz sobre esta epopeia e, em simultâneo, sobre os primeiros anos de vida do Diário de Lisboa. Em 1977, o filho sobrevivente de Joaquim Manso, Pedro Manso Lefrevre, ofereceu ao então Museu Municipal Dr. Joaquim Manso, na Nazaré, um conjunto alargado de documentos, bem como obras de arte e a biblioteca do pai. Durante quatro décadas, as 14 caixas com cartas recebidas por Joaquim Manso não foram inventariadas. Em 2020, por coincidência feliz, o autor iniciou esse trabalho de catalogação no museu, que funciona na antiga casa de veraneio do jornalista e está agora integrado na Direcção Regional de Cultura do Centro.
O epistolário de Joaquim Manso ali concentrado é fragmentado e não constitui a correspondência completa do jornalista. Arrumado à pressa, perdeu certamente a ordem que anteriormente teria. As cartas conservadas constituem também o resto de uma colecção certamente abundante, que terá ficado nos arquivos da Renascença Gráfica. Mesmo assim, contém documentos fascinantes e revela pormenores escondidos desta epopeia, que completam a narrativa e humanizam os protagonistas. As cartas de Norberto Lopes para Joaquim Manso apresentam um repórter aterrorizado com o preço da vida no Brasil e com a necessidade de “alimentar o fogo sagrado” do jornal todos os dias. Queixa-se do preço dos telegramas, da escassa verba disponível para despesas e do silêncio de Lisboa. “Estou admirado de não ter recebido até hoje, com excepção de um telegrama que já agradeci, uma indicação sobre o que devo fazer”, queixa-se a 23 de Julho. “Já cheguei a estar doente por não ter notícias daí”, acrescenta.
Apesar desse silêncio, Norberto é tratado com particular desvelo por Joaquim Manso. Ele é, em muitos aspectos, o prolongamento do director, mesmo antes de assumir a chefia da redacção que, nos primeiros nove anos da vida do jornal, é entregue ao polifacetado Álvaro de Andrade. Uma conjura mal-sucedida entre accionistas, em 1930, conduzirá a uma purga, que custará a demissão de Andrade e correspondente saída para a Emissora Nacional. Norberto, então já licenciado em Direito, assumirá a chefia da redacção, embora o seu nome só venha a figurar no cabeçalho do Diário de Lisboa a partir de 1952. Entre 1930 e 1952, só Manso se apresenta aos leitores.
Colaço também figura no arquivo epistolar do fundador do Diário de Lisboa – aliás, não se esquece de lembrar ao director que colaborou na primeira edição do jornal, em 7 de Abril de 1921. Um ano depois do episódio que aqui se narra, escreve uma longa carta a Joaquim Manso, a propósito de uma peça de teatro que se prepara para apresentar. Colaço largara já o Jornalismo, mas não esquecia que tinha naquele jornal alguns detractores. Artur Portela, o crítico teatral e literário, era o seu inimigo de estimação. Portela visara uma peça traduzida por Colaço, atacando a adaptação, o autor, os trocadilhos falhados e até as coristas, embora reconhecesse que não tinha visto o original. Colaço retorquira que Portela inaugurava a “crítica de espírito santo de orelha”. Em troca, o jornal ignorara olimpicamente o livro de crónicas do autor, noticiando-o com uma breve de cinco linhas.
A grande novidade, porém, emerge na correspondência de Gago Coutinho e de Augusto de Castro, então embaixador português na Santa Sé, para Joaquim Manso. Em Dezembro de 1922, Coutinho, de cabeça perdida, acusa o Diário de Lisboa e Norberto Lopes de fazerem chalaças gástricas às suas custas e de terem até roubado uma carta privada de casa do seu pai (provar-se-á que o furto fora promovido por O Século, sedento de novas informações biográficas sobre um dos heróis da nação e sem grandes pudores quanto à reserva de intimidade do novo herói nacional). A troca de cartas subsequentes revela que o almirante não guarda particular carinho pelo jornal que mais promoveu a sua viagem aérea. “Há uma manifesta má vontade, que eu vou cobrar, nunca mais o lendo. Assim é esta a última vez que lhe peço desmentidos”, vocifera o almirante em 10 de Dezembro.
Augusto de Castro, em contrapartida, acrescenta um pormenor à atribulada biografia de Gago Coutinho. Em Agosto de 1927, cinco anos depois da famosa viagem aérea, o diplomata pede a ajuda de Manso e do Diário de Lisboa para limar um incidente. Gago Coutinho queixara-se à imprensa de que fora mal recebido pelo Papa na sua visita a Roma, ao contrário do que sucedera com Umberto Nobile, o aviador que sobrevoara o Pólo Norte. O almirante sugere também que o embaixador português não lutara suficientemente pela sua causa – uma injustiça que esquecia o papel de Augusto de Castro, no Diário de Notícias, promovendo a viagem aérea de 1922 e lançando, em 1923, a ideia de celebração do feito em Paris, na Sorbonne.
Em carta de 28 de Novembro, Castro explica a Manso as causas do incidente: “O Gago Coutinho é uma excelente pessoa, mas fartou-se aqui de fazer gaffes. Esta é a verdade. Sem outros meios, essas coisas, quando se trata de homens como o Gago, perdoam-se. No Vaticano, não”. O almirante recusara o dia proposto pela Santa Sé para conhecer o Papa, porque tinha outra ideia em mente: queria conhecer o novo líder fascista italiano, o homem de que toda a Europa falava. Pretendia apertar a mão, se possível, a Benito Mussolini.
“O Vaticano bem percebeu que ele não podia ir porque assistia a uma cerimónia presidida pelo Mussolini”, confidencia Castro. “A Santa Sé não perdoa estas coisas, porque o Papa continua a considerar-se soberano de Roma e não aceita que o tratem em segundo lugar, como uma curiosidade ou uma figura suplementar. Mas o Gago teimou, declarando que não ia naquele dia ao Vaticano porque não faltava ao Capitólio (…)”. Nitidamente enfadado, o diplomata-jornalista rematava em privado o seu lamento para o amigo Joaquim Manso: “Vê-se que, para atravessar o Atlântico, são precisas outras e grandes qualidades, mas não é preciso bom senso”.
Publicidade continua a ser principal fonte de receita dos media
A publicidade continua a ser a maior fonte de receitas das empresas de media. “Manteve uma importância muito semelhante à registada em anos anteriores, mas observa-se que o mercado da publicidade está a mudar, mesmo no online, com a introdução de subscrições pagas por várias redes sociais e novas modalidades de publicidade digital”, refere a análise económico-financeira do setor de media em Portugal em 2022, divulgada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
“O processo de transição digital prosseguiu o seu curso e novas modalidades de publicidade ameaçam a hegemonia da Google e da Meta. As medidas regulatórias, em particular na Europa, o aumento da concorrência de antigos e novos players, o desenvolvimento tecnológico e as preferências dos consumidores foram marcadamente influentes no setor de media”, sublinha também o documento.
A refinada carta ao director do Público
Gonçalo Pereira Rosa Texto
Luís Taklim Ilustração
A secção de cartas do Público transformou-se no Verão de 1991 num recinto de combate com uma fonte. Pretexto para recuar ao primeiro ano de vida do jornal.
A carta passa de mão em mão. Comenta-se o conteúdo e o remetente. Tudo parece inverosímil, mas, vistas bem as coisas, todo o primeiro ano e meio de vida do Público tem oscilado entre um conto de fadas e um pesadelo. Em Agosto de 1991, o jornal leva pouco mais de ano e meio de funcionamento e o Accionista, termo (carinhoso ou pejorativo, consoante os casos) que quase todos usam na redacção para aplicar à Sonae, começa finalmente a ver a luz ao fundo do túnel.
A fundação do novo jornal fora um parto difícil. O núcleo duro formara-se com redactores que, trabalhando no semanário Expresso, tinham conspirado (a expressão é de Vicente Jorge Silva (VJS), então director-adjunto do semanário, no seu livro-entrevista com Isabel Lucas) para criar um novo jornal. A ideia fermentara no final de 1987, com a constatação de que a periodicidade semanal já não dava resposta à urgência do quotidiano, mas Francisco Balsemão, proprietário do Expresso, parece manter a fé no formato que desde 1973 garante a prosperidade da sua empresa. “Embora não o assumindo, os dissidentes do Expresso eram animados pela secreta ambição de tornar irrelevante o jornal da Duque de Palmela”, especula Joaquim Vieira, na sua biografia não oficial de Francisco Balsemão. “Nunca tal nos passou pela cabeça”, contrapõe Joaquim Fidalgo, um dos jornalistas do grupo fundador do Público. “Sempre acreditámos que era importante transferir para o universo dos jornais diários o know how e o modo de fazer jornalismo aprofundado que, naquela altura, existia sobretudo nos jornais semanários. E achávamos que faltava em Portugal um verdadeiro diário de referência”.

Em segredo, em pleno convés do “navio-almirante”, como Balsemão gosta de tratar o Expresso, vários jornalistas começam a preparar o projecto de um novo jornal. Vicente não tem ainda uma ideia concreta do que pretende fazer, mas, num acesso de frustração, solicita a Acácio Gomes, jornalista da secção de Economia, que lhe encontre entre os seus contactos um capitalista capaz de financiar a aventura. Num país com poucos capitalistas, perfilam-se três possibilidades principais: Américo Amorim, Horácio Roque e Belmiro de Azevedo. Vicente aponta baterias a Belmiro, o dono da Sonae. “Eu não queria simplesmente pegar no telefone, ligar para a Sonae e pedir para falar com o presidente do grupo”, confessou o jornalista nas suas memórias. Ao contrário da maioria dos jornais portugueses, o Público nasce, assim, por impulso de profissionais do meio que partem à procura de um capitalista que financie a aventura.
A história, porém, tem outras versões. Nas suas memórias, publicadas no Verão de 2021, Balsemão aponta Augusto M. Seabra como “o cérebro da iniciativa”, lembrando que este, “na penumbra, teve sempre uma influência muito grande naquele grupo”. Em contrapartida, em entrevista ao autor, o fotógrafo Rui Ochoa lembra que VJS vivia com a obsessão de produzir uma réplica portuguesa do diário italiano La Repubblica. “O Vicente teve sempre a mania do La Repubblica, era o seu jornal de referência e queria fazê-lo cá. Um dia, o Acácio Gomes disse-me que um empresário com muito dinheiro queria fazer um jornal, mas não me disse quem era. Adiantou, porém, que ele queria o Vicente e a sua equipa e tinha um milhão e meio de contos para gastar”.
Ochoa e VJS almoçam para discutir o projecto. “O Vicente disse-me que só participava se eu entrasse. Eu estava então no Jornal de Notícias e tinha uma avença do Expresso. Concordei, com algumas condições: só entrava se fosse eu a escolher a equipa de fotografia, queria um cargo de chefia e investia dez mil contos no projecto, pois queria ser accionista. Não sabia quem eram os investidores, mas decidi que aquele seria o meu projecto de vida”, conta.
Em Janeiro de 1988, Vicente e Acácio Gomes reúnem-se pela primeira vez com Belmiro de Azevedo. Mais tarde, envolvem-se outros protagonistas, como o subdirector Jorge Wemans e Augusto M. Seabra. A identidade dos fundadores é, aliás, um tema de dissonância na bibliografia sobre o tema, pois as memórias não coincidem em todos os pormenores e há vários candidatos a fundadores que não fizeram de facto parte do núcleo original, o “Grupo dos Nove”.
Na sequência de uma primeira reunião com Vicente, Belmiro de Azevedo indica o engenheiro Carlos Moreira da Silva para coordenar, pelo lado da Sonae, toda a elaboração do projecto. “Foi directamente com ele que os jornalistas do ‘Grupo dos Nove’ trabalharam durante os meses seguintes. Teve um papel fundamental, inclusive a convencer a estrutura de topo da Sonae a apostar no projecto. Depois, durante os primeiros anos, foi ele que esteve à frente do Público enquanto representante do accionista”, conta Joaquim Fidalgo.
A recapitulação de Vicente Jorge Silva traz mais um elemento para a história. Nesse mesmo dia, a Sonae realiza uma controversa operação pública de venda (OPV) de sete empresas do seu grupo, acedendo a benefícios fiscais que, à partida, o legislador concebera para OPV sobre pelo menos 25% do capital das sociedades envolvidas. A manobra é engenhosa e permite à empresa realizar uma mais-valia significativa, valendo-lhe, porém, uma barragem de críticas e até um processo judicial. No auge do turbilhão, Vicente pergunta ao empresário como gostaria de ver tratado um assunto semelhante num jornal de que fosse proprietário. “Se for você o director do jornal, é você quem tem de tratar do assunto e não eu. Só peço para ser ouvido nas questões que me dizem respeito. O resto não é comigo”, responde Belmiro.
O projecto mantém-se em banho-maria durante alguns meses. Vicente hesita na “conjura” contra o jornal ao qual estivera ligado durante 15 anos. Relata a Balsemão as manobras em curso. Há talvez motivos mais íntimos para essas dúvidas. Em Junho de 1968, quando a Censura decidira que o Comércio do Funchal, o jornal de páginas cor-de-rosa que o feitio irrequieto de Vicente e de José Manuel Barroso tinha transformado num foco de críticas ao regime, passaria a ser revisto regularmente pelos Serviços de Censura de Lisboa, provocando mais despesas e tempo perdido, Francisco Balsemão solidarizara-se com Vicente, propondo-lhe o cargo de correspondente no Diário Popular, como o comprova um documento do seu arquivo particular mostrado ao autor. Fora uma bóia de salvação num período difícil da vida do jovem jornalista. Em face dos rumores que já circulam no bas-fond lisboeta, VJS reúne-se com Balsemão e reconhece que projecta apostar num novo jornal diário.
Nas suas memórias, esclarece ter contado a Balsemão que existiam conversações em curso com Belmiro de Azevedo. “O Belmiro suscitava-lhe uma irritação muito particular, sentimento que, aliás, era recíproco”, esclarece Vicente sobre dois dos três patrões que encontrou no jornalismo (o terceiro será o empresário Paulo Ferreira, na revista Invista). “O Belmiro achava o Balsemão um menino nascido num berço de ouro e o Balsemão considerava-o um chico-esperto e novo rico”. Balsemão sustentou, na obra já referida, que soube anteriormente do compromisso de alguns redactores do Expresso com o novo projecto, embora continuassem “a ganhar o seu salário calmamente, enquanto preparavam um produto concorrente e aliciavam pessoal da casa para ir trabalhar com eles”. A acusação é refutada: “Nós próprios não sabíamos se íamos sair do Expresso. Tudo dependia do projecto final”, diz Fidalgo. “Em boa verdade, não sabíamos se iríamos sair”.
As reuniões de “conspiração” prosseguem, mantendo-se no segredo dos deuses. Nem todos os jornalistas, porém, conseguem guardar segredos. Vicente conta pormenores a demasiados interlocutores. Em 21 de Outubro de 1988, são publicadas notícias sobre a sua participação num novo jornal, com destaque para uma de O Independente, que dá conta da empresa financiadora e até da circunstância de existirem convites a outros redactores do Expresso. Poderia ter sido o fim precoce do Público: não há ainda um acordo fechado com Belmiro e é bem conhecida a aversão de Balsemão a quem decide virar as costas às suas empresas. “Um dia, o José António Saraiva convocou uma reunião de editores no Expresso e anunciou que sabia do projecto em curso e que agradecia que quem estivesse envolvido tomasse a iniciativa de sair”, conta Rui Ochoa. “Ninguém se acusou, até porque não havia convites formais do outro lado”.
Embora não o confesse nas memórias, Vicente recua. Promete a Balsemão que renovará o compromisso com o Expresso e profere a O Independente de 5 de Janeiro de 1989 uma declaração pública de reaproximação ao jornal de Balsemão. A equipa é apanhada de surpresa e alguns dos membros fundadores tomam conhecimento da débacle pela rádio. Belmiro, porém, não costuma desistir dos seus projectos e combina com o grupo de jornalistas (“Grupo dos Nove”, agora reduzido a oito) que prossigam os trabalhos preparatórios, sempre com o acompanhamento de Carlos Moreira da Silva pelo lado da Sonae. Logo se verá mais tarde se a recusa de VJS é definitiva, embora o seu papel seja crucial. “Nós dissemos claramente a Belmiro de Azevedo que nunca faríamos o jornal com outro líder que não o Vicente”, conta Fidalgo. “Ou era com ele, ou não era. Mas estávamos convictos de que acabaríamos por convencer o Vicente a voltar. E foi isso que aconteceu”.
O projecto é desenvolvido, apesar de alguma ingenuidade. Os primeiros estudos da Nielsen para a circulação do novo diário são absurdos. “Havia a convicção de que o Público podia vender 200 mil exemplares, imagine-se!”, recorda Vicente nas suas memórias. “Eu achava que no máximo seriam uns 80-100 mil exemplares e já estava a ser imensamente optimista”. Em Março de 1989, a cúpula da Sonae dá luz verde ao projecto, apostando no lançamento do jornal até final do ano. Vicente é convencido pelos restantes jornalistas a regressar, num exemplo atípico de como uma alcateia pode por vezes puxar pelo macho-alfa e não o contrário.
Pelo caminho, porém, ficara Rui Ochoa, farto de não lhe serem atendidas as condições negociais: “Já havia uma data para início dos trabalhos do novo jornal e eu estranhei que ninguém me dissesse nada. O Vicente lá contou que a construção da equipa cabia ao Jorge Wemans e que já tinham sido contactados dois fotógrafos do Porto. Colidimos aí”, conta. Entretanto, Balsemão oferecera-lhe a hipótese de formar uma equipa e passar a efectivo do Expresso.
O “GRUPO DOS NOVE”
Vicente e Wemans abandonam o Expresso, como o próprio semanário noticia no dia 1 de Abril de 1989, embora os restantes jornalistas se mantenham mais algumas semanas no jornal. “Liguei ao Vicente nesse dia e ele nunca atendeu. Respondeu-me a Lucília Santos, secretária que tinha sido do Expresso, e eu ouvi-o por trás a barafustar com ‘esse mercenário’. Em desespero, ainda falei com o José Manuel Fernandes, que me pediu para esperar mais tempo. Mas já não havia mais tempo. Era então ou nunca”, conta Ochoa.
O grupo dos nove fundadores inclui Vicente, Jorge Wemans, Augusto M. Seabra, Nuno Pacheco, José Manuel Fernandes, José Vítor Malheiros, o designer Henrique Cayatte e, no Porto, Joaquim Fidalgo e José Queirós. No momento certo, e ainda acompanhados por Teresa de Sousa e Lucília Santos, abandonam todos o Expresso, numa das maiores debandadas da história do século XX nos jornais portugueses. Só comparável à saída de 12 rebeldes de O Século para o Diário em 1902, do êxodo de toda a equipa do Diário de Notícias para posterior acolhimento em O Mundo em 1924, da demissão de quase toda a redacção do Diário Ilustrado, em conflito com a administração, em 1958, e da demissão conjunta de Artur Portela, José Sasportes, Carlos Veiga Pereira e Vasco Pulido Valente do Diário de Lisboa, em 1961.
Na sua recapitulação escrita do episódio, em volume publicado em 2005, o director do Expresso, José António Saraiva, lembra um momento muito difícil na vida do jornal, sobretudo pelo processo penoso de recomposição da redacção. Segundo ele, Joaquim Vieira encarrega-se da reorganização, pois “acha que vamos ficar só com os medíocres”. No final da acção decisiva de Vieira, “17 jornalistas saem da redacção (quase todos para o futuro Público) e 19 entram”. Nas suas memórias, Balsemão prefere elogiar o papel de Clara Ferreira Alves nessa reconfiguração decisiva.
O modelo pensado para o Público é o do Libération, embora no capital inicial da empresa entrassem também as empresas proprietárias do La Repubblica e do El Pais. Com coordenação de Adelino Gomes, entretanto contratado, o proto-jornal organiza concursos para contratação de jovens jornalistas: “De um total de 200, são seleccionados 25, numa prova final no Fórum Picoas em Lisboa. Mas serão cooptados mais alguns”, conta Nuno Pacheco no Público de 5 de Março de 2018. Entre os recrutas de Lisboa, estão António Granado, Ana Fernandes, São José Almeida, Rui Cardoso Martins, Isabel Coutinho ou Luís Pedro Nunes, que terão carreiras distintas nas décadas seguintes. No Centro de Formação de Jornalistas do Porto, prestam-se provas semelhantes e saem nomes como Manuel Carvalho (actual director), David Pontes (actual director-adjunto), Paulo Moura, Pedro Rosa Mendes ou Manuel Jorge Marmelo.
O ARRANQUE
Com primeira página a cores, o Público propõe-se quebrar tabus na imprensa da época, mas o arranque é turbulento. A administração e a direcção descobrem, segundo Vicente Jorge Silva, que “a solução tecnológica para o processamento do jornal inventada por um dos crânios da MacIntosh em Lisboa era totalmente inadequada. Dava, quando muito, para fazer qualquer coisa como o Anuário Comercial de Portugal, mas nunca um jornal diário”, contou nas suas memórias. O processamento informático é excessivamente lento e o lançamento previsto tem de ser abortado, apesar das duas festas de lançamento já realizadas em Lisboa e no Porto e de já estar na rua uma campanha de promoção.
O próprio título não fora consensual. VJS evitara associações com jornais extintos, como O Mundo e o República. Propõe Público, “um título melhor, mais original e menos conotado com a herança dos velhos republicanos”, mas encontra alguma resistência na Sonae, que receia confusões semânticas com o sector público – tudo o que uma empresa de iniciativa privada quer evitar. Vinga, porém, o nome escolhido. Vicente é o líder incontestado, com uma criatividade só semelhante à sua lendária desorganização. Jorge Wemans é o contraponto nesse caos, assegurando os aspectos práticos, económicos, empresariais ou logísticos da condução do jornal.
As redacções de Lisboa e do Porto, finalmente estabilizadas a partir de 1 de Novembro de 1989, parecem preparadas para avançar. Da estimativa inicial de 70 jornalistas, evolui-se para cerca de 150. No próprio dia 1, as equipas projectam o primeiro de muitos “números zero”. Começam a trabalhar em tempo real, embora sem data definitiva para o lançamento. O semanário O Independente chega a glosar com esse esforço inglório, através de uma sátira de quatro páginas, no dia 12 de Janeiro de 1990, intitulada “Bonéco”, caricaturando o trabalho produzido em vão. No cabeçalho, entre chalaças sobre descontos no preço de capa com coupons do Continente, identifica Belmiro de Azevedo como o Conducatore e o administrador Nuno Vitorino como “editor de cheques”. Nas “notícias”, o semanário garante que o jornal sai de certeza “lá para o Verão”.

A Sonae preparara a publicação do primeiro número real para o dia 2 de Janeiro de 1990, mas a estreia corre mal. A Lisgráfica é responsabilizada publicamente por não dar resposta às necessidades de impressão, mas outros protagonistas culpam igualmente a incapacidade do sistema informático para remeter as páginas da publicação com a urgência indispensável. Ferido no orgulho, Belmiro fica furioso com o falhanço.
Prosseguem os problemas no primeiro trimestre de 1990, agravados pela perda de contratos publicitários destinados a um jornal que deveria já estar em circulação desde Janeiro. O lançamento é, por fim, adiado para 5 de Março de 1990, depois de testes bem sucedidos de impressão, em três rotativas em simultâneo. “Fizemos uma tiragem de 80 mil e depois tivemos de passar para 30 mil durante um certo período”, conta VJS.
Vicente Jorge Silva descreve também as fortes expectativas que a Sonae depositara no comportamento económico do jornal e a sua decepção face aos primeiros números. No mês de lançamento, a tiragem média é de 71 659, mas em Dezembro de 1990 já caíra para 57 105 exemplares. Providencialmente, a primeira guerra do Golfo constitui um chamariz de leitores, fazendo ascender a tiragem média a 74 427 exemplares, em Fevereiro de 1991. No Verão desse ano, tirando pouco mais de 60 mil exemplares por dia, o Público é uma locomotiva pesada que ainda procura engatar uma velocidade satisfatória.
A NOTÍCIA
Agosto de 1991. Desenhemos um triângulo no mapa da cidade de Lisboa.
O primeiro vértice fica necessariamente na Quinta do Lambert, em Telheiras, sede da redacção de Lisboa do Público. Coloquemos o segundo vértice alguns quilómetros para sul, em Moscavide. Ali funciona o Entreposto, grupo económico que representa a Nissan, entre outras marcas, em Portugal, Espanha e Moçambique. O panorama é muito mais desafogado no grupo gerido por António Dias da Cunha, empresário de quem muito se falará quatro anos mais tarde, quando entrar de rompante no Sporting, ao abrigo do Projecto Roquette. Por ora, Dias da Cunha gere o grupo empresarial que o pai expandiu, mantendo presença forte em Moçambique, apesar das convulsões da independência.
Falta o terceiro vértice que, por imposição geométrica, nenhum triângulo dispensa. Coloquemo-lo igualmente junto do rio, mas bastantes quilómetros para oeste. No Palácio de Belém, Mário Soares toma o pulso ao seu segundo mandato como presidente da República. Foi eleito em Janeiro de 1991 com uma maioria inquestionável. Jerónimo Pimentel, antigo jornalista do Público, foi protagonista involuntário do episódio que aqui se conta e lembra que “a fina-flor da finança portuguesa apoiou Mário Soares. Houve uma sessão de apoio no restaurante Faz Figura onde quase todas as personalidades da finança se mostraram”.
Dias da Cunha esteve lá, claro. Desde a primeira campanha presidencial de Mário Soares, em 1986, que apoiara a causa do MASP, Movimento de Apoio Soares à Presidência. Foi membro do Conselho Executivo das duas campanhas. Em entrevista ao Record em 26 de Agosto de 2000, contou que “a aproximação ao dr. Mário Soares veio a acontecer ainda ele era primeiro-ministro. Eu escrevia na revista Negócios, de que era director Gomes Mota. Nessa altura, fiz a defesa da candidatura do dr. Mário Soares à Presidência da República, ainda no tempo do Governo do Bloco Central. Achava que ele era o candidato natural do Bloco Central. O meu texto acabou por ir parar acima [sic] da secretária dele e fui convidado para integrar a campanha, no grupo inicial. Foi o meu primeiro banho político”, relatou.
Nos livros-entrevista que organizou com Maria João Avillez, Mário Soares contou também que, para a campanha de reeleição, decidiu não sobrecarregar o orçamento do PS. “Apelei às pessoas dispostas a ajudar-me e dirigi-me aos meios empresariais, avançando, desde logo, com uma condição: quem quisesse contribuir, deveria fazê-lo às claras e receberia um recibo, assinado por uma de três pessoas: António Dias da Cunha, Carlos Monjardino ou Gomes Mota”, disse. O processo foi tão bem sucedido que sobraram cerca de 300 mil contos.
Ao longo da campanha, a comitiva de Mário Soares desloca-se em carros cedidos pela Nissan. Não era estranho nas campanhas de então. Aliás, Jerónimo Pimentel crê que os repórteres do Público também viajam à data em veículos da marca japonesa, por força de um acordo com este grupo comercial.
Em Agosto de 1991, porém, o então jornalista do Público depara com uma circunstância peculiar. A revista internacional da Nissan, no seu número de Julho, publicara um artigo associando directamente o novo presidente da República à marca. A Nissan lançava então o modelo Máxima e a revista não poupa adjectivos: “Máxima recebe votação máxima do candidato vencedor”, assegura um dos textos, sob uma fotografia de um sorridente Soares no interior de um carro. “O principal político do país achou-o irresistível (…) e deu uma folga ao motorista”, acrescenta outro texto, legendando uma fotografia do PR de pé, ao lado do carro.
Cumprindo todas as regras, Jerónimo Pimentel ausculta as Relações Públicas da Entreposto Comercial, que asseguram a correcta cedência das fotografias pela Presidência da República, “com a indicação de que poderiam ser utilizadas como quiséssemos”. De Belém, Estrela Serrano, assessora do chefe de Estado, garante que Soares nunca autorizara “a utilização da sua imagem para efeitos promocionais”.
Vicente Jorge Silva não hesita em puxar a história para a primeira página e escreve um editorial sobre “a insustentável ligeireza de Soares”. Comenta que ninguém pretenderia, “a não ser por ostensiva má-fé, que Mário Soares recebeu qualquer pagamento ou outra espécie de contrapartidas pelo facto de imagens suas, ao volante de um automóvel, terem sido publicadas como publicidade pela Nissan”. Porém, “parece inconcebível, pelo menos num país europeu, que um presidente da República se preste, com tanta ligeireza e inocência, a promover um produto de consumo. É, além de ridículo, pouco consentâneo com a dignidade das funções de chefe de Estado (…) A condescendência e a permissividade com que Mário Soares se deixa arrastar para situações equívocas, a pretexto da simpatia, da gratidão ou do espírito de clã relativamente aos seus amigos ou apoiantes, tornaram-se um traço marcante do seu comportamento. (…) Soares é – será necessário lembrá-lo? – presidente da República”.
A história é publicada no dia 13 de Agosto de 1991. “Deveria ter morrido ali”, lembra Jerónimo Pimentel. “Era mais uma daquelas histórias incómodas, mas efémeras, que escrevemos sobre políticos. Não estávamos lá para lhes agradar”.
Até que chegou a carta.
A CARTA
Passam oito dias. Na tarde do dia 21, acabado de regressar de férias, Dias da Cunha toma conhecimento da notícia do Público. É provável que tenha cedido àquilo que na entrevista ao Record disse, mais tarde, ser o seu pior defeito: “Dizer aquilo que penso nos locais próprios. Nunca falo nas costas das pessoas”.
O presidente da holding Entreposto escreve uma carta a descompor Vicente Jorge Silva e o Público. Segundo Jerónimo Pimentel, “a carta era muito malcriada. Ameaçava – como veio a acontecer – cortar toda a publicidade do Entreposto no jornal, insultava-me como autor do texto e insultava o director”. Vicente lê o documento, partilha-o com a direcção e com o repórter envolvido e tem um ataque de fúria. Manda publicar parte do texto na secção de Cartas ao Director do dia 22.
Junta-lhe uma nota de redacção quase tão grande como o trecho seleccionado para publicação, informando os leitores de que o autor da missiva era “presidente da holding Entreposto e ex-director financeiro do MASP” – para não haver dúvidas. E o texto, que alguns dos fundadores do Público ainda citam de memória, era:
“Acabo de chegar de férias. Li o seu editorial do passado dia 13. Como muito bem sabe, tudo nele é falso. Trata-se de especulação pura a que procedeu exclusivamente para cobrir o que entendeu ser interesse seu. É indigno instrumentalizar assim a honra alheia. É, na verdade, de refinado filho da puta.
António Dias da Cunha”.
EPÍLOGO
O Entreposto cumpre a ameaça e cessa os contratos de publicidade com o jornal. A ferida demora anos a cicatrizar. Durante semanas, o Público vai trazendo à estampa cartas de leitores vexados com a “atitude desnorteada e insolente desse senhor” e perplexos com “os amigos do presidente”. Os arautos da deontologia debatem incansavelmente as razões do Público para difundir uma carta que contraria o próprio Livro de Estilo do jornal, que exige na versão então em vigor missivas que não colidam “em matéria de urbanidade e decência ou quaisquer outras relativas ao bom senso” com as normas de qualquer outro texto do jornal.
O tempo, claro, sara as polémicas. O Público e o Entreposto prosperaram. Nas memórias, Balsemão considera que a sua recusa de criar um jornal diário em 1989, como o grupo dissidente lhe propusera, “foi das decisões mais acertadas que tomei em toda a minha vida”. Antes de falecer, em 8 de Setembro de 2020, Vicente Jorge Silva recebeu, em 2015, o Prémio Gazeta de Mérito. No discurso de aceitação do galardão, fez o diagnóstico do estado da arte: “É preciso acordar antes que seja tarde. É preciso voltar às raízes da inquietação e inconformismo do verdadeiro jornalismo”.
LIVROS | Luís Lupi: jornalista, espião e empresário
Paulo Martins Texto
Não fosse a dedicação de Wilton Fonseca e seus parceiros à “descoberta” da história dos jornalistas de agências noticiosas em Portugal (“heróis anónimos” lhes chamaram) e pouco saberíamos acerca desse universo de profissionais a quem a intermediação dos órgãos de comunicação que chegam ao público rouba visibilidade. De Luís Lupi, então, ainda menos saberíamos – exceto através do autorretrato plasmado nas suas memórias, o filme que naturalmente quis registar, porque a investigação sobre história do Jornalismo português o ignora. É essa lacuna que este livro preenche.

Não se trata, em boa verdade, apenas de um jornalista. Se o título da obra lança pistas para classificar o personagem, não deixa o percurso biográfico oferecido de empurrar o leitor para outras cores em que pode ser pintada a dita “vida aventurosa”. Seria o fundador da Lusitânia, primeira agência noticiosa portuguesa, um homem com mundo – empreendedor, como hoje se diria – ou simplesmente um chico-esperto de ego dilatado, atento a oportunidades de negócio, hábil a circular entre as intrigas do regime, para delas tirar partido, e com uma certa mania da perseguição? Admitamos que estes traços não são mutuamente exclusivos…
A minúcia e rigor na investigação, já os autores nos habituaram. Por isso o livro memorialístico de Lupi é contrastado com outras fontes, cautela que se prende com o facto de a realidade “ser bastante mais enfadonha do que a imaginação” do biografado, como escrevem. Assim confirmam que sendo salazarista dos quatro costados nunca mereceu a confiança do ditador. Que esteve sempre sob vigilância, chegando mesmo a ser detido pela PIDE. Que, mesmo oscilando nas alianças, nada disso abalou a sua fidelidade sem mácula ao Estado Novo, cuja fileira da informação – de facto, da propaganda – ambicionou liderar.
Luís Lupi não viu os préstimos reconhecidos pelo regime, apesar de cedo ter intuído que a sua ligação a agências internacionais, como a Reuters e a Associated Press, valia ouro nesse plano. E raramente soube escolher as guerras. Com António Ferro, perderia antes de desembainhar a espada. Do confronto com a ANI, criada pelos seus antigos colaboradores Dutra Faria e Barradas de Oliveira, jamais poderia sair vencedor, porque o seu patrono, Marcello Caetano, mudou de “brinquedo”.
Pese embora uma ou outra incursão lateral que pouco contribui para a narrativa, como a descrição das supostas conspirações alojadas na cabeça do informador da PIDE “Portela”, esta obra apresenta um retrato muito completo do megalómano que sonhou com os “Estados Unidos da Lusitânia” (a mítica, extraída da história; não a sua empresa). “Ter dinheiro, ser socialmente aceite, ter poder ou estar próximo dele. Toda a vida de Luís Lupi foi marcada por esses três elementos, que explicam as suas múltiplas atividades, as suas constantes manobras políticas, intrigas e alguns negócios menos claros”, sintetizam Wilton Fonseca e Gonçalo Pereira Rosa.
No que à atividade como jornalista concerne, fica uma breve pincelada sobre o funcionamento do aparelho de Censura nas agências. Ficam as permanentes guerras com a concorrência. E fica a elaboração de um Livro de Estilo pioneiro em Portugal, de que evidentemente faria gato-sapato, por ser incompatível com a missão, nunca efetivamente concretizada, de usar a Lusitânia como instrumento de promoção de uma imagem positiva da ditadura no estrangeiro. Pudera! Se até o nome de Caetano, então ministro das Colónias, constava do documento!