O primeiro-ministro foi entrevistado por cinco gerações diferentes de jornalistas, de vários órgãos de comunicação, na primeira de uma série de entrevistas promovidas pelo Clube de Jornalistas para celebrar os 50 anos do 25 de Abril e os 40 anos do Clube.
Numa iniciativa promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a Agência Lusa e com a Escola Superior de Comunicação Social, no âmbito dos 50 anos das comemorações do 25 de Abril e dos 40 anos do Clube, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado por cinco jornalistas de cinco diferentes gerações. Dos 33 aos 74 anos, Henrique Garcia, Luísa Meireles (Lusa), Ana Sá Lopes (Público), Rita Tavares (Observador) e Filipe Santa-Bárbara (TSF), com a moderação de Maria Elisa Domingues, colocaram 25 perguntas ao primeiro-ministro, ao longo de 90 minutos.
Naquela que foi a primeira entrevista de António Costa nesta legislatura, garantiu que “em circunstância alguma” sairá para um cargo europeu antes do final deste mandato. Além de não estar disponível para ser presidente da Comissão Europeia em 2024, em relação a outros cargos europeus, António Costa considerou que “poderia haver essa possibilidade” mas “não há”, salientando que onde se sente “útil neste momento, e até outubro de 2026, é aqui em Portugal”.
Também “completamente fora de questão” está a apresentação de um orçamento retificativo, afirmou, dizendo não ver como poderia a situação internacional traduzir-se numa “pressão sobre a despesa” que justificasse uma retificação.
“Está completamente fora de questão. Estando já na fase do ano em que estamos, não há quadro previsível que justifique um orçamento retificativo daqui até lá”, sustentou.
“Este é o primeiro Orçamento do Estado referendado pelos portugueses”, declarou o líder do executivo, num a alusão à crise política aberta com o chumbo da anterior proposta orçamental e às posteriores eleições legislativas antecipadas que o PS venceu com maioria absoluta.
Na questão do Orçamento do Estado, António Costa recusou a perspetiva de ser uma proposta para seis meses, contrapondo que várias das medidas terão efeitos retroativos a 01 de janeiro, e considerou natural que as forças da oposição a critiquem, “porque é a mesma que já chumbaram” em outubro passado.
“Assumimos o compromisso que, uma vez eleitos, apresentaríamos exatamente o mesmo orçamento, que é o original, mas já incorporando todos os compromissos que tínhamos assumido nas negociações com o PCP – e, apesar disso, o PCP manteve o seu voto negativo”, declarou, numa referência aos episódios da última crise política.
António Costa afastou ainda em absoluto a possibilidade de o país regressar ao carvão como resposta à atual crise energética e defendeu as metas constantes na proposta de Orçamento do Estado para 2022 do Governo, que será debatida na generalidade no parlamento nos próximos dias 28 e 29 de abril.
Atualização de salários em 2023 depende da “capacidade orçamental que o país terá”
O primeiro-ministro anunciou também nesta entrevista que “voltará a haver atualização anual dos salários” da administração pública, mas ressalvou que o valor dependerá da negociação sindical e da evolução da taxa de inflação.
“Para o ano, voltará a haver atualização anual dos salários. Quanto é que vai ser a atualização anual? Bom, isso vamos ter de negociar com os sindicatos – como está sempre sujeito a negociação sindical – e acho que dependerá de vários fatores: dependerá seguramente de se confirmar ou infirmar aquilo que são hoje as previsões sobre a evolução da inflação”, declarou António Costa.
Caso o atual aumento da inflação não seja um pico mas “um longo planalto ou, pior ainda, continue a subir, é um outro quadro completamente distinto. [O valor da atualização dependerá] também de quais são as circunstâncias económicas e a capacidade orçamental que o país terá. Obviamente, é isso”, referiu.
O chefe do Governo referiu ainda que “o direito à negociação coletiva na administração pública” é um “princípio fundamental” que o Governo irá respeitar, assegurando que “não haverá fixação sem prévia negociação sindical”.
O primeiro-ministro considerou também que o país está a atravessar um pico extraordinário de inflação, que tenderá a estabilizar no próximo ano.
Em relação ao facto de as principais instituições internacionais estimarem para Portugal um crescimento menor do que o previsto na proposta de Orçamento, António Costa contrapôs que “o ponto de partida” para a execução orçamental deste ano “é bastante melhor do que aquela que estava prevista”.
“O défice previsto era de 4,3% e foi de 1,9%. O ponto de partida é francamente melhor. Por isso, em junho vamos começar a preparar o Orçamento do próximo ano”, disse.
No que respeita ao fenómeno da inflação, o líder do executivo citou as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) que “reafirmou que se está neste momento a viver um pico extraordinário de inflação, que não vai ter continuidade”.
“Prevê-se uma inflação de 4% em Portugal e para 2023 [o FMI] estima 1,5%, ou seja, uma queda muito significativa já no próximo ano. Há outras instituições menos otimistas, mas o Banco Central Europeu (BCE) aponta para a mesma trajetória, entendendo que tenderemos a estabilizar na zona euro com uma inflação na ordem dos 2%”, alegou.
Costa diz que irá a Kiev “se for convidado”
Sobre a questão da Ucrânia, que abriu o debate, António Costa deu razão ao presidente ucraniano quando este defende que “a urgência da Ucrânia nunca se resolve com o alargamento” e a adesão à União Europeia. “Só se resolve com soluções que sejam compatíveis com a urgência, por isso, o aprofundamento do acordo de associação com a União Europeia é o espaço ideal”, disse o primeiro-ministro.
“Colocar todas as fichas num processo que é incerto, necessariamente moroso e sujeito a múltiplas vicissitudes é um risco que acho muito grande. Há outra dimensão, que é a de saber se a União Europeia, ela própria, está preparada para novos passos de alargamento. Até agora, a União Europeia não tem sido capaz de acolher países como a Albânia, Montenegro, que têm uma dimensão bastante diferente da Ucrânia”, disse sobre o processo de adesão.
Para Costa, “é preciso primeiro saber se a União Europeia está em condições para ser efetivamente capaz de acolher um país que tem 40 milhões de habitantes e que é o maior país em território de toda a Europa.” Mas garante que há países que estão ainda mais recuados sobre esta posição já “que dizem ‘não’” à adesão imediata da Ucrânia.“Outros dizem ‘não’ enquanto os outros países que estão já em negociação não entrarem primeiro. Nem nós, União Europeia, nem a Ucrânia, temos qualquer interesse em que haja uma divisão na Europa. A maior ajuda que a União Europeia pode neste momento dar à Ucrânia é reforçar a sua unidade no seu apoio.”
Sobre o facto de Volodimyr Zelensky ter dito que Portugal “quase” defende a adesão da Ucrânia à União Europeia, e de António Costa não ter ido a Kiev ao contrário de outros líderes europeus, o primeiro-ministro disse: “Se for convidado, irei com muito gosto.”
Costa admite que Cavaco Silva esteja “um pouco azedo” após derrotas
Na parte final da entrevista, António Costa foi confrontado com o artigo de Cavaco Silva, publicado no jornal Público, em que o atual primeiro-ministro é criticado por ter falta de coragem.
“Ninguém é bom juiz em causa própria e alguns não são bons juízes em causa alheia”, começou por reagir o líder do executivo.
O artigo de Cavaco Silva, segundo o primeiro-ministro, “não tem grandes novidades relativamente àquilo que se sabe que é o pensamento dele”.
Para António Costa, é mesmo “um artigo talvez um bocadinho mais azedo do que é habitual”. “Mas é preciso ser justo e perceber que quem acabou de ter uma derrota no PSD e outra derrota no país é capaz de estar um pouco azedo”, comentou.
A divergência fundamental, na perspetiva de António Costa, reside em torno daquilo “que o professor Cavaco Silva entende o que são as reformas necessárias para o país” e as reformas que ele, secretário-geral do PS, entende necessárias.
“Cavaco Silva, como a direita habitualmente, entende que as grandes reformas são o choque fiscal e a desregulação do mercado de trabalho. Eu entendo que o grande investimento que temos de fazer para melhorar a produtividade das empresas e a competitividade do país é investir nas qualificações e na inovação”, contrapôs.
Mas António Costa foi ainda mais longe nas suas críticas.
“Tivesse Cavaco Silva aplicado a minha ideia enquanto governou e o Produto Interno Bruto do país seria francamente diferente. Para já, eu respeito a opinião dele e ele seguramente respeita a minha. Por isso, há democracia”, sustentou.
A ideia fundamental de Cavaco Silva, de acordo com António Costa, é que com os governos socialistas o país não cresce.
“Mas, se formos ver com séries longas, verificamos o seguinte: O país cresceu mais nos anos de António Guterres do que nos de Cavaco Silva; e mais nos anos de José Sócrates do que nos de Durão Barroso e Santana Lopes. No que me diz respeito, cresceu francamente mais não só do que na média dos anos de Pedro Passos Coelho – mas seria injusto fazer esta comparação dadas as circunstâncias em que governou [o anterior primeiro-ministro] –, mas também sete vezes do que na média dos 14 anos anteriores”, acrescentou.
*Textos Agência Lusa
Alguns meios de comunicação que noticiaram destaques desta entrevista:
https://www.jn.pt/nacional/orcamento-retificativo-esta-completamente-fora-de-questao–14785866.html